A primeira imagem da minha adaptação cinematográfica do mito de Godzilla já mostra as profundezas do plâncton no fundo do oceano, no fundo daquele canyon submarino, aquela camada pastosa com centenas de metros de espessura, que há muitos milênios se deposita e sedimenta no fundo do Atlântico, encorpando ali uma sopa-primordial pastosa e fecunda, de onde certamente não foi nenhuma improbabilidade biológica que brotasse um dinossauro gigante, espécie possibilíssima de emergir nessas condições, visto que durante eras geológicas inteiras eles tiveram seus restos mortais e seu DNA varridos para baixo da superfície do mar, que é o tapete embaixo do qual a natureza esconde os seus próprios malfeitos.
Os primeiros cinquenta minutos do filme acompanham sem
texto, só com imagens e ruídos, os milhões de anos de lento processamento
eletroquímico, combinações genéticas sempre instáveis mas que um belo dia se
estabilizaram em forma de um embrião enrodilhado, no interior de um ovo
transparente, aquecido pelas correntezas vulcânicas que se infiltram por entre
as placas tectônicas do continente. Durante os próximos 43 minutos de filme o
ovo incha e a criatura se encorpa, protegida pelo casulo de água aquecida que
também mantém à distância os predadores das profundezas, não acostumados àquele
jorro escaldante. E a criatura cresce.
É por volta de uma hora e meia de projeção que o ovo, já do
tamanho de uma montanha, se rompe, e dali de dentro emerge o corpo pesadão,
cascudo, coberto de uma camada rugosa que protege a criatura do calor, do frio,
da enorme pressão. E ela sente instintivamente que precisa emergir. E começa
sua lenta ascensão para aquele ponto, nas trevas abissais, em que a pressão
sobre seus órgãos é menor, é mais aliviante.
Como uma tartaruga de alguma espécie semi-extinta, ela agita os membros,
devagar, e devagar sobe. Do seu
primeiro impulso para cima até o momento em que sua cabeça pela primeira vez
emerge e vê somente o oceano em volta e o céu noturno estrelado, serão mais
vinte, vinte e cinco minutos.