Esse romance de Maria Valéria Rezende, recém-saído pela
Alfaguara/Objetiva (Rio) é a história de uma viagem à rua. Ele produz, em muitos momentos simples e
verazes, quase documentais, a vertigem de quem pula numa cidade como quem pula
num barreiro, ou, pra ficar mais proporcional, numa piscina de clube cheia de
gente desconhecida. A rua, sem ter onde dormir nem o que comer. Os Beatles já
retrataram magicamente essa voragem do desconhecido: “Saí da universidade,
gastei o dinheiro, não vejo futuro, não pago aluguel, o dinheiro voou, nenhum
lugar para onde ir. Oh, aquela sensação mágica: nenhum lugar para onde ir”
(“You Never Give Me Your Money”).
Seria injustiça chamar de existencialista um livro que nada
teoriza e parece feito só de existência, mas nesse caso o nome se aplica de
qualquer jeito. É a história de você
passar a vida carregando nos ombros e acima da cabeça um homem-da-meia-noite ou
mulher-do-dia criado por você mesmo e por todos que o conhecem. Construir um Eu Visível e usá-lo como um
supermamulengo pela vida afora. De repente você percebe que você e seu
personagem são duas coisas diferentes. Quem quebra seu Eu consegue ver através
do de todo mundo. Vem a liberdade de
poder ver como todo mundo é, como tudo é, por dentro do boneco-gigante-de-si-mesmo. Existe uma certa crueldade indispensável em
toda auto-libertação.
Mulher conversa com diários. Dá-lhes nomes de amigas reais
ou de imagens da moda. O diário é sua melhor amiga: “Olha, Barbie, sabe por que
eu falei isso pra Mamãe? Porque ela é uma chata! Isso mesmo, uma grande chata.”
Uma menina se queixando a outra menina da maneira como outra menina
criou outra menina. “A idade adulta sumiu, comprimida entre a juventude
esticada até o limite do indisfarçável e a tal da melhor idade” (p. 55)