(Josef Stálin, Bernard Madoff)
O Comunismo era um escorpião feito de ferro, cimento,
vapor, eletricidade, com duzentos milhões de células humanas. Karl Marx dizia
que o comunismo só poderia ser estabelecido num país plenamente desenvolvido e
industrializado, como a Inglaterra ou a Alemanha de seu tempo. Por uma dessas ironias da História, Lênin
tentou implantá-lo na Rússia, o país mais vasto do mundo, e um dos mais
atrasados, embora tivesse uma elite refinada, cavalheiresca e culta.
Confirmando a advertência de Marx, não deu certo. Lênin morreu no meio do
caminho e foi substituído por Stálin, um dos exemplos mais rematados de
gangster que a história já conheceu.
Questionar o comunismo alegando Stálin é como questionar o Islã alegando
Saddam Hussein. Se Marx tivesse visto a Revolução Russa teria ficado furioso
com as liberdades filosóficas e partidárias tomadas por Lênin. Se visse Stálin,
daria um tiro nos miolos. Lênin tinha
muitos defeitos (inclusive caretice poética e cinematográfica) mas era um pensador
de verdade e um ativista de verdade, numa só pessoa. Já Stálin era um Al Capone
canastrão, cercado de ghost-writers.
Como todo gangster bem sucedido, tinha faro de fera e olho de rapina
quando se tratava de guerras ou de intrigas palacianas. O Stalinismo começou a afundar com sua
morte, mas só terminou quando caiu o Muro de Berlim. O Comunismo (sua versão soviética) suicidou-se ritualmente por
excesso de concentração, de centralização, de fechamento e colapso em
black-hole.
Já o nosso confortável Capitalismo está morrendo por
excesso de Liberdade, ou melhor, pela enorme plasticidade com que esta
importante palavrinha se encaixa em qualquer discurso. A atual mega-crise
financeira cujo abalo mais forte foi em 2008 parece ser uma combinação de filosofias
de lucro a qualquer custo e lealdades a qualquer preço. Não o espectro comunista, mas o fantasma da
liberdade: “o mercado tem que ser livre”.
Ou seja, eu devo ser livre para mudar as regras do jogo que meu time
está disputando. Houve um desmonte programado
de fiscalizações, atividades de agências reguladoras, trocas de poder, vitórias
pirotécnicas de um grupo de investidores sobre outros. Na América, a terra
natal do dinheiro eletrônico, isso virou um jogo, onde até mesmo os bilhões
ficam em segundo plano. Mais importante do que ser rico é ter desempenho nesse
complicado RPG, um game que esses grandes investidores praticam a sério. A URSS
morreu de concentração centrípeta, os EUA vão morrer de espiral
centrífuga. O Capitalismo é um
escorpião feito de néon, silício, LCD, vapor browniano e filamento
incandescente de carvão.