Uma autobiografia é um livro onde um cara demonstra que quem tinha razão era ele; mas nem sempre. O clássico Minha Formação (1900), de Joaquim Nabuco, tem esse lado em seu terço final, onde o autor trata do movimento abolicionista, mas como o grosso da sua munição tinha sido usado no maciço O Abolicionismo (1883), estas memórias são, curiosamente, não as de um político triunfante, mas as de um escritor frustrado. A primeira metade do livro passa rapidamente pela infância e adolescência e decola quando Nabuco parte em 1873 para a Europa, cheio de aspirações políticas e literárias.
Seus
capítulos sobre a França, a Inglaterra e os EUA são excelentes, inclusive nas
comparações que faz entre estes últimos. Hoje, um século e meio depois, elas se mantêm
de pé, indicando que ele soube captar em poucas páginas o espírito de cada povo
(ou traços essenciais desse espírito). Sobre o racismo e a abolição, falarei
outro dia; o que me interessa aqui é observar o quanto esse escritor de cultura
vasta e estilo admirável foi subtraído à literatura, por um lado pela premência
dos compromissos políticos (herdados em grande parte da tradição paterna) e por
outro (aqui é especulação minha) pela falta do talento fabulatório, ou seja,
pela falta de jeito para inventar histórias.
Nabuco
conta seu nervosismo ao visitar em 1874, em Paris, seu ídolo literário, Ernest
Renan (1823-1892), que o recebeu com carinho, elogiou-lhe os versos (“oui, vous
êtes vraiment poète”) e lhe deu conselhos; mas esse incentivo foi
contrabalançado por um encontro posterior com Edmond Scherer (1815-1889), que
não emitiu nenhuma opinião direta sobre os versos, mas manteve um “silêncio
frio, impenetrável, entretanto polido, atencioso, simpático”. Nabuco recorda
essas ansiedades de juventude com altivez e compreensão. Sua autocrítica parece
mais serena e mais sincera do que, por exemplo, a insistente modéstia de
Gilberto Freyre em sua conferência proferida na UFPB em 1965, Como e porque
sou escritor.