quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

3421) O destino do McGuffin (13.2.2014)



 Estive fazendo uma pequena lista dos finais clássicos para história de aventura (inclusive SF, policial, etc.), onde está em jogo um McGuffin qualquer – uma fórmula secreta, código criptográfico, dinheiro roubado, uma obra de arte rara, etc..  Subentende-se que o herói e um ou mais grupos de bandidos disputam para ver quem fica com o objeto. (“McGuffin” é o termo criado por Alfred Hitchcock para designar esses objetos misteriosos, que têm pouco interesse em si mesmos, mas são alvo de uma disputa de vida-ou-morte que movimenta a narrativa. Um McGuffin clássico: O Falcão Maltês.

Um final típico: o herói fica com o objeto, e o entrega às autoridades (no caso de um McGuffin de interesse nacional).  Ou então: o herói fica com o objeto, e o entrega a uma pessoa que tinha direitos sobre ele (a família do falecido dono, etc.).  Estes são dois happy-ends convencionais.

Uma terceira versão seria: o herói ilude tanto os bandidos quanto as autoridades, e fica com o objeto para si.   Este é um final feliz típico de heróis fora-da-lei: Arsène Lupin (de Maurice Leblanc), O Santo (de Leslie Charteris), etc.  Outra variante: Um dos bandidos apossa-se do objeto, tenta fugir, e é destruído junto com ele.  Usado geralmente como um final moralista, “o-castigo-da-ambição”. Também uma maneira prudente de eliminar um McGuffin (em histórias de FC) que, continuando a existir, traria enormes impasses à verossimilhança da história.

Mais uma: O bandido apossa-se do objeto, mas nesse instante percebe que o objeto não era nada do que se imaginava: era algo maligno, ou com sistema-de-proteção, que destrói quem violar seu segredo (os espíritos que saem da Arca, em Caçadores da Arca Perdida).  Um final clássico e muitas vezes realizado com elegância dramática é aquele onde, na luta para ficar com o objeto, ele escapa das mãos de todos e é destruído ou fica inacessível (o dinheiro espalhado na piscina em Gangsters de Casaca, o ouro espalhado no meio da rua em 7 Homens de Ouro).


Variantes meio catastróficas são aquelas onde alguém (o herói ou bandido) ao se apoderar do objeto percebe que ele não vale mais nada (a fórmula está ilegível, o dinheiro é obsoleto e sem valor, o conteúdo do cofre fora esvaziado há séculos, etc.), ou então casos clássicos em que o bandido apossa-se do objeto e, ao perceber que vai ser alcançado pelo herói, o destrói (“Se não for meu, não será de ninguém!”): Conan Doyle, O Signo dos Quatro.  O McGuffin, conforme teorizado por Hitchcock, é aquele elemento essencial à história, sem o qual a história não aconteceria, mas a história nunca é sobre ele, e sim sobre as pessoas que acreditam nele. 


3420) Isqueiros do Vietnam (12.2.2014)


Os soldados norte-americanos que lutaram no Vietnam criaram todo um folclore próprio em torno de drogas, de música, de episódios de combate, etc.  O saite Juxtapoz (http://bit.ly/1gfD0Ug) faz uma interessante exposição dos isqueiros usados por eles durante a guerra, isqueiros onde eles tinham o hábito de gravar seus nomes e postos, além de imagem, frases, etc.  Hoje esses isqueiros (cujos donos morreram ou voltaram para casa, e cujos objetos pessoais se dispersaram) são procurados por colecionadores de “memorabilia”; arranhados, manchados, amassados, são resíduos humanos de uma situação absurda à qual eles tentavam se adaptar da melhor maneira possível, cada um de acordo com seu temperamento.

Um deles grava em seu isqueiro: “A sucking chest wound is nature’s way of telling you you’ve been ambushed” (“Uma ferida aberta no seu peito é o modo da natureza avisar que você foi emboscado”).  Outro isqueiro diz, numa provocação aos vietnamitas: “Let me win your heart and mind or I’ll burn your god damn hut down” (“Me deixe conquistar seu coração e sua mente, senão eu toco fogo na sua maldita choupana”).  Todo soldado em combate precisa dizer a si mesmo o tempo todo que é durão e que não está com medo, mas poucos serão tão assertivos quanto o que gravou no isqueiro: “Yea though I walk through the valley of the shadow of death I fear no evil for I’m the evilest son of a bitch in the valley”; parodiando o famoso Salmo 23, ele diz: “Embora eu caminhe pelo vale da sombra da morte eu não temerei o mal, porque sou eu o filho-da-puta mais mau que tem no vale.”

Não só as bravatas dos guerreiros, existe também um certo menosprezo pelos pacíficos: “We the unwilling, trained by the unskilled, to do the impossible for the ungrateful ten minutes too late” (“Nós somos os relutantes, treinados pelos despreparados, para fazer o impossível em favor dos ingratos, com um atraso de dez minutos”). Outro afirma: “You have never lived till you’ve almost died for those who fight for it life has a flavor the protected will never know” (“Você nunca viveu se nunca chegou quase a morrer por aqueles que lutam; para eles a vida tem um sabor que os que protegemos nunca conhecerão”).

Frases curtas e definitivas: “Fighter by day, lover by night, drunkard by choice, marine by mistake” (“Guerreiro de dia, amante de noite, bêbado por escolha, fuzileiro por engano”). Ou então: “If I ever look like I give a damn call a dog” (“Se em algum momento parecer que eu me importo, chame um cachorro”). E a nostalgia final de algum californiano anônimo numa praia asiática: “You can surf later” (“Você pode surfar depois”).