(Ilustração: Mana Neyestani)
No começo do mês fui eleito o MC para os
próximos trinta dias. O sorteio não me indicava há tempos, mas vida de agente
penitenciário envolve não somente talento para Relações Públicas e Comunicação
de Massas, requer também uma resignação filosófica diante do inevitável. Como
estou sempre prevenido, joguei na mesa as idéias que tinha esboçado: um
festival de música, a eleição para o refeitório (que vem sendo adiada desde o
ano passado), um novo profeta messiânico (Neco Chumbinho, que venho preparando
há meses com leituras e laboratórios), e, caso seja necessário um confronto de
facções, decidi que o ideal seria um entrevero entre os NecroMobs e os Rasga,
que andam meio enfarruscados um com o outro por causa de roubos de celulares.
Marcamos três eliminatórias e uma final para o
festival de canções, e acertamos com as facções quem ganharia o quê. No refeitório, sugerimos um rodízio entre as
equipes candidatas, três dias de cardápio e execução para cada uma, com cédulas
de avaliação distribuídas na saída e postas nas urnas. Neco Chumbinho foi
liberado para percorrer as alas a qualquer horário, orando. Tudo isso deve dar
uma sacudida no grupo, e dentro de dez dias o primeiro confronto armado estará
maduro. No festival de canções teremos torcidas organizadas, faixas, enquetes;
fóruns gastronômicos e nutricionistas na luta política pelo refeitório. Para
meu orgulho, o Presídio há muito tempo não dava tantos sinais de vitalidade e
espírito participativo. Começamos a ver
nos rostos a exaltação, o entusiasmo, o impulso de realizar coisas. “Você
conseguiu chamá-los aos brios”, elogiou o Diretor, sempre cheio de retórica.