quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

3361) Vida de detetive (5.12.2013)



No capítulo 21 do romance O Longo Adeus, Raymond Chandler interrompe a história que vinha contando para mostrar um pouco do cotidiano do detetive Philip Marlowe. Até aquele momento, Marlowe está encrencado até o pescoço por causa de um crime aparentemente cometido por um amigo seu, Terry Lennox, que ele ajudou a fugir para o México quando a polícia o perseguiu pelo assassinato. Lennox era genro de um magnata californiano, e Marlowe, por lealdade ao amigo, e por não responder as perguntas da polícia, acaba passando alguns dias na cadeia.

De repente, a história se interrompe. E no cap. 21 Marlowe atende três clientes muito diferentes. O primeiro é um sujeito rude que cria um cachorro em casa e vem se queixar de que a vizinha está jogando almôndegas envenenadas no quintal para matar seu cachorro, que late toda vez que um carro passa na rua. O cliente quer que Marlowe passe o dia e a noite escondido no quintal até flagrar a vizinha em mais uma tentativa de envenenamento. Marlowe lhe diz que isso não é papel para um detetive.

O segundo cliente é uma mulher humilde, que mora numa pensão, e desconfia que sua companheira de quarto está furtando dinheiro de sua bolsa. “Mas o que a sra. quer que eu faça?”, pergunta Marlowe. E ela: “Telefone para ela e lhe dê um susto!  Diga que é detetive e que está de olho nela!”. Marlowe, com alguma dificuldade, se livra da mulher.

O terceiro cliente é um homem meticuloso, polido, reprimido, cuja mulher pela quinta vez limpou sua conta bancária e fugiu com outro cara para Honolulu. Ele oferece 200 dólares para que Marlowe a localize e traga de volta, e insiste: “Diga a ela que eu não ligo, só quero que ela volte”. Marlowe aciona uma agência de detetives em Honolulu, explica o caso, a mulher vem de volta e ele transfere o dinheiro para a agência que fez o trabalho, cobrando uma pequena taxa para si próprio, mais despesas (telegramas, etc.).

Qual a necessidade desses episódios, que ocupam seis páginas, e são irrelevantes para o enredo? Eles têm a função de proporcionar ambiente, pano-de-fundo para a ação principal. Detetives costumam ser contratados (nos livros) por milionários excêntricos ou louras voluptuosas. O leitor ingênuo pensa que isso é a rotina deles, e não é. Chandler se preocupa em proporcionar contexto, efeito de contraste. Para avaliar um caso, é preciso compará-lo com outras tarefas que estavam sendo oferecidas ao detetive na mesma época. Chandler tinha essa percepção de que a aventura principal deve ser grande, significativa, e ela só o é comparada ao feijão-com-arroz cotidiano, assim como se deve comparar um autor com os contemporâneos dele, não com os nossos.