quarta-feira, 27 de novembro de 2013

3354) Orwell e o futebol (27.11.2013)






(Orwell, by Felipe Muanis) 

Dias atrás nas redes sociais foi postado um artigo de Lima Barreto em que ele descia a ripa no futebol, jogando-lhe em cima todos os defeitos e vícios possíveis. É conhecida a antipatia de Lima pelo jogo de bola, talvez aumentada pelo fato de que em sua época era um esporte de rapazes brancos e ricos, como são hoje o hipismo e o golfe. 

Já comentei aqui um ótimo livro de Mauro Rosso, Um Fla-Flu Literário, que contrapõe os artigos sobre futebol de Lima Barreto (contra) e de Coelho Neto (a favor). (Ver: http://bit.ly/13yAvnj).

Isto me lembrou outra diatribe famosa contra o esporte bretão, desta vez de um autor não menos bretão. George Orwell (1984, A Revolução dos Bichos) publicou em dezembro de 1945, no Tribune, um artigo devastador intitulado “O espírito esportivo” (“The sporting spirit” – aqui: http://bit.ly/4IGPTc). 

O gancho jornalístico foi a excursão do Dínamo de Moscou pela Inglaterra (certamente numa daqueles campanhas de boa vizinhança do pós-guerra), enfrentando clubes ingleses. Orwell começa dizendo que “se uma tal visita teve algum efeito nas relações anglo-soviéticas foi apenas a de torná-la um pouco piores do que estavam antes”.

Orwell vê o mal em todos os esportes competitivos (não poupa o boxe), e diz: 

“Joga-se para vencer, e o jogo não tem muito sentido a menos que se faça todo o possível para vencer. (...) No momento em que fortes sentimentos de rivalidade são despertados, a idéia de jogar de acordo com as regras desaparece. As pessoas querem ver um time por cima e o outro humilhado, e esquecem que não faz sentido uma vitória obtida através de trapaças ou da intervenção da torcida.” 

Orwell escreveu numa Europa esgotada pela guerra, onde os antagonismos nacionais persistiam: 

“O pior não é o comportamento dos jogadores, mas a atitude da torcida, e, para além da torcida, das nações que entram em fúria a propósito dessas competições absurdas, e acreditam seriamente – pelo menos por algum tempo – que correr, pular e chutar uma bola são testes para as virtudes nacionais”.

Ele observa com agudeza que entre o Império Romano e o século 19 o esporte não foi levado muito a sério, e que então, nos EUA e na Inglaterra, começou a ser tratado como uma atividade de altos investimentos. E diz: 

“Se alguém quiser aumentar a má-vontade já considerável que existe no mundo, não teria nada melhor a fazer senão promover jogos de futebol entre judeus e árabes, alemães e tchecos, indianos e ingleses, russos e poloneses, italianos e iugoslavos.”  

O que pensaria Orwell se tivesse visto os “hooligans” ingleses, as hecatombes de arquibancada, as batalhas campais dos torcedores em cidades pacíficas?