Certas idéias científicas parecem óbvias, mas não vejo a
ficção científica se dedicando a elas. Por exemplo: por que motivo não
pesquisamos (nós, escritores, que ao contrário dos cientistas podemos pesquisar
a custo zero) a formação de múltiplas personalidades (“o médico e o monstro”)
na mente humana?
Nem vou falar nas
possíveis utilizações pacíficas desse divisionismo, mas citarei, para ver se atraio
patrocinadores, algumas utilizações bélicas. Um soldado cuja mente seja,
metade, uma máquina pré-ética de matar, e outra metade um carinhoso e
patriótico pai de família. Cada um deles podendo ser ativado por um gatilho
hipnótico (lembrem o filme O Telefone, de Don Siegel, com Charles
Bronson), e assumindo o controle do corpo (do “cavalo mediúnico”) até concluir
a tarefa prevista.
Faríamos melhor em investigar o cérebro humano, que bem ou
mal estará conosco enquanto formos nós mesmos, do que em construir espaçonaves,
gastar milhões de litros de gasolina para ir catar pedras num planeta baldio.
Fernando Pessoa já ironizava o conceito de personalidade única no “Ultimatum”,
um dos textos mais importantes de “Álvaro de Campos”. A produção de individualidades
artificiais pode ser apenas uma questão de poucas décadas.
Antigas civilizações pré-colombianas doutrinavam seus
neófitos aplicando-lhes na noite do “rito de passagem”, uma dose cavalar de
ervas alucinógenas, e depois um passeio por dentro de cavernas labirínticas,
ouvindo o eco de vozes, os cânticos, vendo os efeitos com archotes naquelas
tortuosas galerias subterrâneas. Quem, no outro dia, acreditaria ter visitado
menos do que um outro mundo que misturava cacos de inferno e de paraíso?
Essas
formas artesanais de controle mental mostram que o ser humano é sempre mais
maleável do que parece, e Alguém, cedo ou tarde, usa isso em seu proveito.
O emprego de múltiplas personalidades artificialmente controladas
(inclusive pelo dono original daquele corpo) é uma possibilidade científica
muito mais próxima e factível do que a construção de um império galáctico.
Os
escritores de FC preferem falar de impérios galácticos porque é mais fácil se
movimentar no Passado (império é coisa do passado) do que no Futuro.