(foto: Lou Reed)
Vivemos celebrando roqueiros como Janis Joplin, Jimi
Hendrix, Amy Winehouse, que viveram todos os seus 27 anos no fio da navalha. O
que dizer de quem estendeu esse prazo até os 71? Lou Reed foi no rock a cara de um decadentismo high-tech que
juntava rock americano com vanguarda poética fin-de-siècle, uma cultura da
dissipação, um hedonismo dark. Ao mesmo
tempo, pegou carona na estética da androginia e do livre-amorismo dos beatniks
e dos hippies que o antecederam. Seu primeiro grande voo foi sob a asa do rei
da vanguarda dândi, Andy Warhol, e seus últimos anos foram vividos ao lado de
Laurie Anderson, uma performer-pop que podia fazer-lhe frente, com luz e
estética próprias.
Era um cantor limitado mas bastava-lhe cantar um minuto para
o ouvinte entender que os critérios ali eram outros. Quando em “Walk on the
Wild Side” ele diz: “and the colored girls say / doo doo dooo...” é como se a
música ainda não estivesse pronta e ele a estivesse mostrando a um amigo,
descrevendo o que elas fariam neste trecho. Há um livro de Philip K. Dick em
que o cara para diante de uma barraca de refrigerantes e quando vai fazer o
pedido a barraca desaparece e fica em seu lugar, no chão, um papel onde está escrito:
“Barraca de Refrigerantes”. Lou Reed diz: “Aqui, as morenas fazem du-du-du...”
Um jornal de São Paulo registrou no saite, durante o
domingo: “Morre o guitarrista Lou Reed”. É um pouco como dizer “morre o
dançarino Renato Russo” ou “morre o pandeirista Ringo Starr”. Reed tem uma
frase famosa, que diz mais ou menos: “Uma música com um acorde está ótima, com
dois está tudo OK, com três a gente já está entrando no domínio do jazz”. Uma
estética não muito diferente da de Erasmo Carlos, que dizia algo assim, “três
acordes e deixa que eu me viro”.
Poeta de vários estilos mas sempre à vontade nos domínios do
Beat, da cultura que tenta juntar esses dois extremos: excesso e refinamento.
Tinha interfaces poéticas com Ginsberg, tinha algo da autodestruição contemplada
de Bukovski. Tem algo do ascetismo tecno-gótico de William Gibson, mas com uma
carga de erotismo que em Gibson se manifesta pouco. Nunca pareceu levar o rock
excessivamente a sério, mas ao mesmo tempo levou-o o bastante para ficar rico
com ele, e para que os que gostam de rock o reconhecessem como um dos seus.