quarta-feira, 16 de outubro de 2013

3318) O conto e o romance (16.10.2013)



(manuscrito de Lovecraft)

No recente VII Fantasticon, em São Paulo, participei de uma proveitosa troca de idéias com o escritor Marcelino Freire sobre “Cortázar e o conto sem véus”, um passeio pela obra do escritor argentino, um dos maiores contistas do continente. Marcelino lembrou uma famosa definição de Cortázar, que era um fã do boxe. Dizia ele que um romance é uma luta de boxe que se ganha por pontos, e o conto é uma luta em que se ganha por nocaute. (Ele poderia ter dito, se fosse fã do atletismo, que o romance é uma maratona e o conto é uma corrida de 100 metros rasos.)

Esse assunto me vem à mente depois que foi concedido o Prêmio Nobel de Literatura à canadense Alice Munro, que aliás nunca li, mas que fiquei sabendo ser uma especialista no conto. Isto deu margem a discussões, vindas de todos os lados, a respeito de contistas que nunca ganharam o Nobel (a começar por Borges) porque, segundo se teme, a Academia Sueca talvez considere o conto um gênero menor. (Aqui pra nós, eu acho que há uma veneração excessiva por essa Academia provinciana e pelo tal Prêmio Nobel, que é tão cheio de injustiças, equívocos e bobagens quanto qualquer prêmio de academia municipal de letras do Sertão do Borogodó.)

Acho que o preconceito em relação ao conto, que o faz perder em importância para o romance, é o mesmo que acontece com o filme de curta-metragem (considerado “uma obra menor” em relação ao longa-metragem). Tudo resulta da ética do labor, do trabalho, do capital, do consumo, uma ética perniciosa que, como sempre acontece, acaba produzindo uma estética. Acaba determinando (por valores acidentais e externos) o que é e o que não é uma obra de arte, o que tem e não tem valor artístico.

Por um lado, essa ética supõe que é preciso mais trabalho para escrever um romance de 300 páginas do que para escrever um conto de vinte (assim como se supõe que é mais trabalhoso dirigir um filme de 90 minutos do que um filme de dez ou quinze). Mais trabalho, segundo essa ótica, significa mais valor. Não se pode (pensam eles) comparar o valor de 300 páginas ao valor de vinte. (Ao que os contistas retrucam que é muito mais trabalhoso escrever um livro de contos de 300 páginas do que um romance do mesmo tamanho.)

E assim como se cria uma estética do trabalho, cria-se uma estética do consumo. O consumidor paga por um romance de 300 páginas porque vê ali o valor agregado do trabalho, o que segundo ele faz o romance “conter mais literatura” do que o conto. Essa estética quantitativa (ser longo é um valor estético em si mesmo) está espalhada por todas as artes, mas em nenhuma tem causado tantas injustiças quanto na literatura e no cinema.