Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
3299) O violão (24.9.2013)
Quem me contou essa foi Éder, um cara que trabalhou comigo quando eu morava na Bahia. Éder era um compositor veterano, também cantava de vez em quando, fez parte de algumas bandas, tinha gravado disco solo. Ele disse que certa vez estava em São Paulo numa espécie de festival de artes, meio chic, meio alternativo, numa galeria de arte. A galeria tinha um porão que eles transformaram numa adega com recitais de poesia e pocket shows.
Ele estava lá, na platéia, tinha ido ver a apresentação de uma banda de amigos dele, uma turma jovem. Depois do bis de encerramento, o pessoal chamou Éder ao palco, porque ele era uma espécie de padrinho da banda. Começou aquele “can-ta! can-ta!” Ele disse que ficava muito honrado e que cantaria, se houvesse um violão, porque infelizmente, apesar de ser admirador de Jimi Hendrix, não tocava guitarra. Diz Éder que um violão rapidamente apareceu, era satisfatório, a banda se retirou deixando-o à vontade no palco para fazer um ou dois números. Ele ajustou a correia, calibrou os botões, deu uma checada na afinação, que estava OK. E começou.
Éder diz que o violão tinha uma tensão ideal de cordas, uma ótima sonoridade de bojo nos graves, e uns agudos cristalinos. E nas posições em pestana produzia uma sacudidela e um balanço que botaram todo mundo pra dançar. Pode-se checar isto nas postagens posteriores no YouTube ou nos blogs. (Verdade seja dita, não existe música tão dançante que não haja alguém, em vez de dançar, filmando).
Durante cerca de quarenta minutos (a captação em vídeo mais longa tem 37 e meio), Éder tocou algumas de suas músicas mais conhecidas, e uma ou duas novas. “As músicas eram outras coisas,” disse ele. “Não eram o que eu pensava, ritmicamente; e estavam cheias de notas e de detalhes que eu não sabia mas que o violão parecia saber por mim. Meus dedos iam direto, como quem já fez aquilo mil vezes, mas para minha mente, que de um certo ângulo afastado contemplava tudo, era a primeira vez”.
“E depois?” perguntei. Ele disse: “Encerrei, a banda voltou ao palco, nos despedimos, ficamos naquela onda de camarim, de tomar cerveja e comentar detalhes. Mais de uma hora depois, quando saiu a última foto com os últimos autógrafos, olhei em redor e perguntei pelo violão. ‘Que violão?’, disseram. ‘O que eu toquei, quero botar preço nele.’ ‘O violão não era seu?’ perguntaram. ‘Vi esse violão hoje pela primeira vez’, disse eu. E os outros: ‘Gozado, estava aqui num case, que por sinal ainda há pouco alguém veio buscar. Tinha seu nome escrito num adesivo, e como nós vimos você na platéia, achamos que estava a fim de tocar, e puxa, cara, valeu, valeu demais, noite pra entrar na história.’