quarta-feira, 17 de julho de 2013

3240) "O Estrangeiro" (17.7.2013)





O “romance noir” norte-americano conta histórias angustiadas de crime, carregadas de fatalidade, desesperança, e da sensação de quem está num mundo movido por forças incompreensíveis e inconscientes de si mesmas. 

Nada nos impede de ver dessa maneira O Estrangeiro de Albert Camus. Ele é um equivalente filosoficamente mais denso das histórias policiais soturnas de James M. Cain, David Goodis, Horace McCoy. 

Lançado em 1942, sua repercussão crítica ao longo das décadas seguintes (aumentada com a concessão do Prêmio Nobel a Camus em 1957 e sua morte precoce, aos 46 anos, em 1960) foi associada à visão existencialista do mundo e à visão do absurdo.

Seria uma atividade tipo “o ovo ou a galinha” tentar descobrir se Camus lia romances policiais norte-americanos na Argélia ou se via os “filmes noir” dos anos 1940. 

Em muitos desses filmes encontramos perfeitos equivalentes do Meursault de seu livro: indivíduos sem um projeto de vida, sem um propósito, vivendo para o presente e aceitando, meio atordoados, o que o presente lhes impõe. Não têm ambições nem fazem planos para o futuro; não são capazes de grandes afetos nem de grandes ódios; avançam pela vida como que anestesiados, meio indiferentes, cultivando pequenos objetivos – arranjar algum dinheiro, ter onde dormir, comer sem fome, amar sem amor.

Meursault é assim, e é até surpreendente que uma garota como Marie Cardona queira casar com ele. A resposta dele é típica: concorda em casar com ela, “se isso a faz feliz”, mas dá a entender que nunca tomaria a iniciativa de pedi-la, e que se outra mulher lhe fizesse a proposta ele provavelmente aceitaria também. 

A passividade de Meursault o conduz ao crime e à condenação, quando todas as provas, em retrospecto, parecem defini-lo como um homem frio, insensível, cruel. Ele é o indivíduo alienado, disponível, sem projeto, exposto ao vento das vontades alheias, que podem levá-lo em qualquer direção. 

Atentados políticos são muitas vezes praticados por gente assim, gente como Lee Oswald, Sirhan Sirhan, Ali Agca. Foram soprados por uma doutrina assim como um barco é soprado pelo vento, mas essa doutrina lhes é essencialmente estranha.

O Estrangeiro é uma história de crime tipo “whydunit”, onde o que importa não é “quem” cometeu o crime nem “como”, e sim “por quê”. 

“Por causa do calor”, diz ele ao explicar ao tribunal por que abateu um árabe a tiros, na praia. Meursault é o homem absurdo, num mundo em que não chorar no enterro da mãe é tão crime quanto matar um homem. O livro se passa em Argel, mas não é difícil imaginá-lo nos EUA, a história de um rapaz do Bronx que mata um negro a tiros durante um passeio a Coney Island.