(Drummond, por Glen Batoca)
O tema do amor na poesia de Drummond tem dois tratamentos
principais, o profundo e o brincalhão. Somente com o livro póstumo O Amor Natural o poeta revelou um terceiro caminho que corria por fora, o do tratamento
erótico. Em Drummond coexistiam um filósofo desencantado com o mundo e um guri
sempre disposto a travessuras. Isso se manifesta em seu tratamento de temas
como o amor, o namoro, a paixão, o casamento, o sexo – palavras que não são sinônimas entre si,
como geralmente se imagina.
“Quero me casar” é um dos poemas travessos mais simples do
poeta: “Quero me casar / na noite na rua / no mar ou no céu / quero me casar.
// Procuro uma noiva / loura morena /
preta ou azul / uma noiva verde / uma noiva no ar / como um passarinho. / Depressa, que o amor / não pode esperar!”. Essa dicção
pseudo-naïf se refinou em poemas mais maduros, e igualmente desconcertantes,
como “O Mito” (“Sequer conheço Fulana...”), “Canção para Álbum de Moça” (“Bom
dia: eu dizia à moça / que de longe me sorria”), “Amar-Amaro” (“Por que amou
por que amou / se sabia / proibido passear sentimentos...”), “O amor bate na
aorta” (“Cantiga do amor sem eira / nem beira...”), “Caso pluvioso” (“A chuva
me irritava. Até que um dia / descobri que maria é que chovia”), e outros.
Todos estes poemas se dividem entre paixão e distanciamento,
desespero e gozação, carência e ironia, ajoelhamento devoto diante da amada e
cambalhota esperta pra longe dizendo “eu, hein?”. No final ora predomina um,
ora o outro, outra se travam num empate, ou num impasse. Amor e humor são
misturados como café e leite. E isto lembra o famoso micro poema de Oswald de
Andrade, tão citado como símbolo do Modernismo: “AMOR / humor”. Uma palavra é o
título, a outra é o poema. Oswald parece sugerir que o amor verdadeiro não é
outra coisa senão o humor, neste caso (imagino) a capacidade de rir das coisas
e rir das mesmas coisas, de pensar em uníssono, num “matrimônio de mentes
sinceras” (como dizia Shakespeare). Na mão de Drummond, o amor inclui o humor,
mas não como sua essência, e sim um “poder moderador”. Ele nos salva do amor
mal compreendido e mal utilizado, o amor sombrio demais, destrutivo demais, o
amor diluído em água com açúcar ou o amor de toxinas concentradas em veneno.