Nos anos 1950, os rebeldes sem causa dos EUA e os “angry
young men” da Grã-Bretanha batiam de frente com pais caretas, moral e
politicamente conservadores. O filme Repo Man de Alex Cox (1984) é de uma
geração depois disto, e tem um perfil interessante. É um desses filmes rebeldes
e roqueiros que a toda hora escapam por entre as frestas da indústria. Em parte mostra o que significa ser punk: a
briga surda e não-violenta entre o rapaz Emilio Estevez e seus pais é uma briga
perfeitamente normal. Ou seria, se os pais não estivessem fumando baseados e
não tivessem investido todas as suas economias num pastor evangélico.
O personagem Otto começa a trabalhar como “Repo(ssession)
Man”, o cara a quem cabe tomar de volta os automóveis que foram comprados e não
foram pagos. O filme, mais do que ser uma análise do meio social e cultural dos
“repo men”, parece um filme financiado e co-roteirizado por repomen do mundo
real. Tem a trilha sonora de alta octanagem e mistura de cenas de brigas, de
perseguição, cenas que o diretor traz prontas na cabeça e depois dá um jeito de
encaixar na história.
Meu personagem favorito é um maluco que vive elaborando
teorias da conspiração e imagina que os discos voadores são máquinas do tempo,
e que as pessoas desaparecidas nas grandes cidades foram na verdade enviadas
para o Passado. Para quê? Não se sabe, porque tudo é muito mais complexo e
cheio de surpresas do que a gente imagina. Nas franjas da cultura roqueira
paira sempre esse universo cinza e pegajoso das fantasias cósmicas ou de
espionagem megacorporativa, a noção (que a paranóia das drogas certamente deixa
mais vívida) de que o mundo é manipulado por forças malignas que desconhecemos.
O filme tem uma cena em que um cara entra num carro e faz
ligação direta dos fios da ignição. Isso durou uns trinta segundos, mostrando
todas as tentativas de fazer o motor pegar, e foi uma eternidade, porque em
filme americano o normal é um corte rápido e o carro já vai de estrada afora,
satisfeitão. O plano insuportável deste filme amadorístico me abriu os olhos
para a possível cronometragem de um roubo-de-carro real.
Há uma subtrama alienígena sobre alguma coisa
radioativamente mortal na mala de um carro, o que acaba se tornando um “deus ex
machina”, um raio mortal lançado por Zeus. Quando é preciso matar um
personagem, basta fazê-lo abrir a mala desse carro. É um momento Arquivo X na
história, mas feito num clima meio de humor, meio de filme-B-de-alien, que é o
que Repo Man acaba sendo mesmo. Filme sem compromisso com bilheteria, a não
ser o propósito de se pagar e poder fazer outro. Como aliás deveriam ser todos
os filmes.