Estou lendo aos poucos, sem pressa de terminar, o enorme Bombaim: Cidade Máxima de Suketu Mehta (Companhia das Letras, 2011, 583
pags.). Você acha que o Brasil tem problemas, caro leitor? Não direi que não
tem, mas peço que imagine os problemas da Índia, que em alguns aspectos parece
muito com nosso país, só que tem 1,2 bilhão de pessoas amontoadas num
território com menos da metade do nosso.
Suketu Mehta foi criado em Bombaim, morou
em Nova York, e voltou para sua cidade natal, agora chamada de Mumbai, para
escrever sobre a Bombaim que tinha conhecido. O livro é uma reportagem
panorâmica sobre favelas, terroristas, políticos, travestis; sobre o trânsito,
a moradia, o crime, a arte, o transporte. Bombaim, com 20 milhões de
habitantes, tem uma das maiores densidades populacionais do mundo.
Mehta
voltou a sua cidade e se assustou com o que lhe acontecera em apenas 21 anos.
As filas são gigantescas e estão por toda parte. Ninguém respeita o espaço
alheio, o direito alheio. Para conseguir o serviço mais banal ou o direito mais
elementar é preciso ser amigo de alguém, ou subornar um funcionário. Diz ele:
“Um homem que ganhou dinheiro de modo desonesto é mais respeitado do que um que ganhou dinheiro trabalhando, porque a ética de Bombaim é a da ascensão rápida e a fraude é um atalho. Uma fraude demonstra bom senso comercial e agilidade mental. Qualquer um é capaz de trabalhar duro e ganhar dinheiro. O que há de admirável nisso? Mas uma fraude bem executada, isso, sim, é uma beleza”.
Nos
EUA, Mehta absorveu o estilo norte-americano, que oscila entre o
sossegadamente-pacato e o politicamente-correto. Ao voltar para sua cidade,
sentiu-se (e foi tratado) como um estrangeiro.
“Brigamos para conseguir descontos que não têm valor algum para nós: dez rupias são apenas 40 cents. Se perdermos 40 cents em Nova York, jamais perceberemos; aqui é uma questão de princípio. Isso porque, quando somos roubados em dez rupias, os outros tiram suas conclusões: não somos daqui, não somos indianos, por isso merecemos ser roubados, pagar mais do que eles. Portanto, levantamos a voz e exigimos que nos cobrem o preço correto, o que está no taxímetro, pois não agir assim equivale a aceitar a condição de estrangeiros. Somos indianos e vamos pagar preços indianos!”.