(Alexandre Dumas)
Muitos que assistiram Django Livre, de Quentin Tarantino,
talvez tenham saído do cinema estranhando um diálogo. Alexandre Dumas era
negro? De certa forma, sim, e no contexto de ódio racial do filme, era
importante que um alemão mostrasse a um norte-americano que não existem “raças
inferiores”, como ele imaginava. (Nada de mais – os norte-americanos vivem dizendo
isso aos alemães há 50 anos; no cinema então nem se fala.) Um fazendeiro
sulista e alourado trata os negros como animais, é todo metido a admirador da
França, embora não fale dez mirréis de francês; bota o nome de D’Artagnan num
escravo, e não sabe que o autor dos Três Mosqueteiros era mulato, da cor da
Brunhilde von Shaft em volta de quem decorre o terço final do filme?
O pai de Alexandre Dumas era um general caribenho, nascido
em São Domingos, vizinho ao Haiti. Foi o primeiro general francês com essa
origem étnica; ganhou cargos importantes mas entrou em decadência por
perseguições, inclusive por parte de Napoleão. Era, pelos retratos, um desses
caribenhos de rosto cheio, nariz abatatado, bigodes e cabelos negros e fartos,
um tipo como Gabriel Garcia Márquez ou como o Sargento Garcia do “Zorro”. Um
tipo que esperamos mais de um mexicano ou colombiano do que de um francês. Alexandre, assim como o pai, tinha o rosto
bochechudo, e ao que parece aquela pele morena que chamam “cor de oliva”, que
aqui no Brasil passa despercebido, mas na França destaca mais do que um letra
maiúscula.
A mãe de Dumas era francesa, filha de um estalajadeiro. O
filho dela foi produto de um intercurso étnico não muito diferente, em linhas
gerais, do que produziu Barack Obama, filho de um queniano negro ilustre com
uma anônima estudante branca no Havai. Alexandre Dumas enfrentou dificuldades
em sua carreira, mas se impôs pelo espantoso sucesso popular de seus
romances-folhetim, e pelo fato de que sabia usar sua riqueza para viver bem e
agradar aos outros. Dumas talvez fosse da cor de Machado de Assis. Fico
pensando qual dos dois chamaria mais atenção pelo aspecto mestiço, se um no Rio
ou o outro em Paris.