sábado, 26 de janeiro de 2013

3093) O anjo e o átomo (26.1.2013)



(Salvador Dali, O anjo caído)



Eu nunca vi um anjo e nunca vi um átomo, mas, por alguma razão profunda, duvido “de graça” da existência do anjo e acredito “de graça” na existência do átomo.

A primeira proposição precisa ser qualificada para não gerar mal entendidos. Jamais duvido da existência do anjo como um produto da nossa cultura, um personagem, uma criatura composta de lendas e imagens. Um anjo existe tanto quanto um elfo, um vampiro, um saci. São personagens da cultura, têm sua função, ajudam a focalizar emoções, servem de símbolo, servem de comparação, ajudam a contar parábolas e histórias... 

Enfim, são personagens que se tornaram indispensáveis na nossa cultura, pelo menos a ocidental e cristã, pois não sei se os chineses, os ianomâmis ou os aborígines da Austrália têm criaturas equivalentes.

Já o átomo, comparado com o anjo, é uma coisa muito sem graça. Quando eu era menino ele era representado como um aglomerado de bolinhas de cores diferentes (o núcleo) rodeado, em órbitas, por outras bolinhas menores (os elétrons). Nunca deixou de me inquietar a noção de que “a menor partícula da matéria” podia ser dividida em partículas ainda menores. Essa contradição filosófica nunca me escapou. 

Em todo caso, um átomo não é feito de miçangas, e sim de vibrações localizadas de energia que se atraem e repelem, e que ao longo de bilhões de anos foram se combinando em padrões estáveis (os elementos químicos).

Por que motivo acredito no que acabei de escrever aí em cima? Eu nunca vi um átomo. Vi fotos com microscópio eletrônico, mostrando espaços negros pontilhados por manchinhas luminosas. Uma coisa inconvincente; eu próprio, se me dessem um bom software de animação, seria capaz de produzir átomos muito mais verossímeis. 

Os átomos são feitos de 99,9% de vazio e 0,1% de energia. E no entanto eu acredito que eles existem, sim, e que são mais ou menos como a Ciência os descreve. (É a própria Ciência que me adverte a colocar esse “mais ou menos”.)

Nós somos convencidos por provas, mas, mais do que por provas, somos convencidos pela Narrativa que se cria em torno de qualquer coisa. 

Se a gente não gosta da Narrativa, nem as provas mais arrasadoras são capazes de nos fazer mudar de opinião. 

Se a Narrativa é convincente, as provas são mera ilustração. 

A Narrativa religiosa do anjo não me convence (o Anjo como entidade espiritual); a Narrativa científica do átomo, sim. Desde a infância a gente vai examinando as Narrativas que recebe (da família, da escola, dos amigos, dos livros), vai se afastando de umas e se filiando a outras. E passa a viver no mundo dessa Narrativa. Eu vivo num mundo onde, se Anjos existem, são feitos de átomos.