Todo
mundo está falando do tal 50 Tons de Cinza como se fosse uma revolução
erótica na literatura para mocinhas e donas de casa. Pode até ser, pelo impacto da coisa e pelo
fato de que uma revolução só é revolução mesmo quando a mídia faz alarde. Sem alarde
na mídia o mundo se acaba e continua existindo, porque ninguém ficou sabendo.
De minha parte, senti essa revolução nos anos 1980, quando traduzi romances
femininos para a Abril (SP) e Rio Gráfica Editora (RJ). Claro, não traduzi
somente romances femininos – eu dava preferência aos livros de faroeste. Mas
grana é grana, caiu na rede é peixe. O que me davam eu traduzia, e, como tinha
um nome a zelar (ou imaginava vir a ter um dia), traduzia sob pseudônimo.
Na
minha primeira ida a São Paulo (eu ia de ônibus, pegava o livro a traduzir,
dava uma volta pelas livrarias e à noite pegava o ônibus de volta), a moça me
deu instruções muito explícitas sobre o que fazer. “Esses romances estão
mudando”, disse ela (isso era 1985, 86, por aí). “Agora têm cenas de sexo
bastante apimentadas. O principal cuidado na tradução é: evite palavrões,
termos vulgares, porque a leitora não gosta. Com essa restrição, pode caprichar
nas cenas de sexo.”
Traduzi
vários desses livrinhos; a heroína não era uma daquelas donzelas recatadas das
antigas fotonovelas de Capricho ou Sétimo Céu. A primeira cena de sexo
(sempre entre ela e o mocinho – não havia sexo com outras pessoas) era por
volta do primeiro terço do livro. A heroína era uma mulher sozinha mas
independente (geralmente uma profissional liberal) que conhecia um cara e a
certa altura ia pra cama com ele. Os dois se envolviam, mas havia problemas, crises;
vinha mais uma cena de cama, ou duas, mas o sujeito era meio escorregadio ou
problemático e a história evoluía para uma crise em que ela demonstrava seu
valor (salvava a vida dele, ou salvava a propriedade dele da destruição, ou
desmascarava um falso amigo dele) e no fim os dois acabavam vivendo juntos e
jurando amor eterno.