quinta-feira, 22 de novembro de 2012

3037) Dicas de escritores (22.11.2012)



Sou leitor desses decálogos e mandamentos de escritores sobre como escrever. Em geral são escritos no imperativo:  ”faça isso, não faça aquilo, procure fazer assim, jamais faça assado”.  Tudo isso deveria ser escrito na primeira pessoa: “eu faço isso, eu não faço aquilo, eu procuro fazer assim, eu jamais faço assado”.  Não importa se o autor é William Faulkner ou John Updike. Na grande maioria dos casos um bom autor só consegue ser ele mesmo. Ele sabe fazer, sabe como o consegue, e passa a informação adiante. Nada obriga essa descoberta dele a ser útil para mim, ou para Fulano. Mas é sempre lucrativo aprender como funcionam os processos criativos alheios.


Os grandes autores (profissionais, consagrados, com dezenas de títulos, milhões de livros vendidos, com prêmios e honrarias, poder, credibilidade) concentram todas as suas forças criativas na própria literatura, o que, em termos práticos, isso significa sua própria maneira idiossincrática de praticar a literatura.  Fazem isso a tal ponto que muitas vezes parece não haver espaço, neles, para admirar a literatura alheia, ou pelo menos a literatura alheia que é diferente da sua.

Decálogos sobre “como escrever” parecem decálogos de etiqueta sobre “como se comportar em público”.  É impossível universalizar tais instruções, porque o que funciona num local e num momento não funciona no outro. Mas cada conselho “faça isso, não faça aquilo” exprime verdades construídas na prática, e em grande parte dos casos eles nos ajudam a entender melhor nossos próprios defeitos, e construir nosso próprio método de trabalho.

Muitos autores acordam e escrevem durante duas horas, sem parar, antes do café da manhã. “É o melhor momento”, dizem; “a mente está a mil”. Agradeço sempre a informação, mas de nada me vale, como de nada valeria eu explicar a eles que estas linhas estão sendo redigidas às 04:19 da madrugada – e não estou pensando em ir dormir nem tão cedo. Há quem prefira escrever à mão num caderno, há quem prefira ditar, há quem escreva poesia com o polegar num tecladinho luminoso. Caneta Bic ou Mont Blanc, Parker 51 ou Futura? Máquina Olivetti ou máquina Remington (são tão diferentes quanto um PC e um Mac)? No calor ou no frio? Trancafiado a sós ou no alarido de um café?

O conselho é realmente útil quando vem de alguém com uma combinação de cacoetes, talentos ou inabilidades parecida com a nossa. Às vezes um conselho bobo (“não use a primeira pessoa, nunca”, “escreva no presente do indicativo, não no passado do verbo”, “prepare resumos do que vai fazer em seguida”) salva a carreira de um sujeito e de nada adianta para outro.