Sou leitor desses decálogos e mandamentos de escritores sobre como escrever. Em geral são escritos no imperativo: ”faça isso, não faça aquilo, procure fazer assim, jamais faça assado”. Tudo isso deveria ser escrito na primeira pessoa: “eu faço isso, eu não faço aquilo, eu procuro fazer assim, eu jamais faço assado”. Não importa se o autor é William Faulkner ou John Updike. Na grande maioria dos casos um bom autor só consegue ser ele mesmo. Ele sabe fazer, sabe como o consegue, e passa a informação adiante. Nada obriga essa descoberta dele a ser útil para mim, ou para Fulano. Mas é sempre lucrativo aprender como funcionam os processos criativos alheios.
Os
grandes autores (profissionais, consagrados, com dezenas de títulos, milhões de
livros vendidos, com prêmios e honrarias, poder, credibilidade) concentram
todas as suas forças criativas na própria literatura, o que, em termos
práticos, isso significa sua própria maneira idiossincrática de praticar a
literatura. Fazem isso a tal ponto que
muitas vezes parece não haver espaço, neles, para admirar a literatura alheia,
ou pelo menos a literatura alheia que é diferente da sua.
Decálogos
sobre “como escrever” parecem decálogos de etiqueta sobre “como se comportar em
público”. É impossível universalizar
tais instruções, porque o que funciona num local e num momento não funciona no
outro. Mas cada conselho “faça isso, não faça aquilo” exprime verdades
construídas na prática, e em grande parte dos casos eles nos ajudam a entender
melhor nossos próprios defeitos, e construir nosso próprio método de trabalho.
Muitos
autores acordam e escrevem durante duas horas, sem parar, antes do café da
manhã. “É o melhor momento”, dizem; “a mente está a mil”. Agradeço sempre a
informação, mas de nada me vale, como de nada valeria eu explicar a eles que
estas linhas estão sendo redigidas às 04:19 da madrugada – e não estou pensando
em ir dormir nem tão cedo. Há quem prefira escrever à mão num caderno, há quem
prefira ditar, há quem escreva poesia com o polegar num tecladinho luminoso.
Caneta Bic ou Mont Blanc, Parker 51 ou Futura? Máquina Olivetti ou máquina
Remington (são tão diferentes quanto um PC e um Mac)? No calor ou no frio?
Trancafiado a sós ou no alarido de um café?