Entre
as numerosas críticas que tenho lido sobre Game of Thrones uma das mais
ácidas e mais divertidas foi a de Laurie Penny no New Statesman (http://bit.ly/KqW2f6).
Ela começa descrevendo a série como “um coquetel reluzente de estupros, sexo gratuito e ultra-violência”, depois opta por “uma saga cripto-medieval de monstros míticos, seios arfantes, intrigas palacianas e baldes de sangue”, e mais adiante vê sinais de uma “cultura de estupro racista misturando Disneylândia com Dragões”.
Que o leitor não a leve a mal: ela gosta da série. Mas, como todo crítico que se preza, ela sabe que não é porque a gente gosta de uma coisa que essa coisa é boa.
Um crítico não é um sujeito que só gosta de coisas boas, é um sujeito capaz de ver com distanciamento as coisas que considera boas ou ruins.
Ela começa descrevendo a série como “um coquetel reluzente de estupros, sexo gratuito e ultra-violência”, depois opta por “uma saga cripto-medieval de monstros míticos, seios arfantes, intrigas palacianas e baldes de sangue”, e mais adiante vê sinais de uma “cultura de estupro racista misturando Disneylândia com Dragões”.
Que o leitor não a leve a mal: ela gosta da série. Mas, como todo crítico que se preza, ela sabe que não é porque a gente gosta de uma coisa que essa coisa é boa.
Um crítico não é um sujeito que só gosta de coisas boas, é um sujeito capaz de ver com distanciamento as coisas que considera boas ou ruins.
Penny
constata que a série retoma um mito persistente da nossa cultura: A Busca do
Bom Rei, e seu subtema A Formação do Bom Rei.
Westeros é um continente meio medieval, com vários reinos submissos a um
reino central, o do Trono de Ferro em King’s Landing.
Todos esses reis têm doses variáveis de loucura, mania homicida, ambição descontrolada, ressentimento mútuo, etc. Manter a lealdade de todos só é possível com subornos e ameaças.
É um reino onde nobres idealistas como Ned Stark acabam demonstrando, à própria custa, a impossibilidade de se viver de acordo com os elevados preceitos da cavalaria. É preciso ser mais raposa que as raposas, mais serpente que as serpentes; é preciso mentir, trair, ameaçar, subornar, matar – com presteza e sem escrúpulos.
Todos esses reis têm doses variáveis de loucura, mania homicida, ambição descontrolada, ressentimento mútuo, etc. Manter a lealdade de todos só é possível com subornos e ameaças.
É um reino onde nobres idealistas como Ned Stark acabam demonstrando, à própria custa, a impossibilidade de se viver de acordo com os elevados preceitos da cavalaria. É preciso ser mais raposa que as raposas, mais serpente que as serpentes; é preciso mentir, trair, ameaçar, subornar, matar – com presteza e sem escrúpulos.
Laurie Penny torce o nariz para o conceito de Bom Rei, herança de milênios de monarquia. A qual (agora sou eu) foi substituída por séculos de repúblicas presidencialistas. Um presidente não é mais que um rei de paletó e com prazo de validade. É um símbolo, uma encarnação terrena de um poder divino (quem foi que disse que nosso Estado é laico?).
Vivemos em busca do Governante Ideal, achando que é mais fácil encontrar um ser humano perfeito do que conceber uma forma de administração pública que não se baseie no carisma de um candidato e nas suas venetas depois de empossado. Daí o fato de que temos cada vez mais “atores” e menos administradores ocupando os cargos de Poder (com exceções, é claro.)
Ainda vamos precisar de muita banda-larga até construir um sistema pelo qual o Povo governe a si mesmo, e então nossas eleições pseudo-democráticas nos parecerão tão anacrônicas quando as guerras feudais de Westeros.