sexta-feira, 29 de junho de 2012

2909) Antonio Silvino (29.6.2012)






Uma foto tem circulado nas redes sociais, mostrando dois homens de terno, frente a frente. São eles o presidente-ditador Getúlio Vargas e o ex-cangaceiro Antonio Silvino, que recebera indulto após 23 anos de cadeia, por bom comportamento (havia sido condenado a 239 anos). Diferentemente de Lampião, que em vinte anos de cangaço nunca foi preso, Silvino cumpriu pena, alfabetizou-se na prisão, converteu-se ao protestantismo  e trabalhou em vários tipos de artesanato até receber o indulto de Vargas. São duas histórias diferentes, dois finais diferentes.  Lampião, que era 23 anos mais novo, morreu numa emboscada na gruta de Angicos em 1938.  Silvino, aprisionado em 1914 (antes mesmo de Lampião entrar para o cangaço) morreu em 1944, na casa de uma prima, em Campina Grande. (Quando eu era menino, várias vezes me mostraram a vilazinha humilde onde ele findou seus dias, em frente à Praça Félix Araújo, esquina com a Arrojado Lisboa).

A carreira de Silvino está documentada nos folhetos de Francisco das Chagas Batista, que cobrem suas aventuras até 1912.  Uma ótima avaliação deles está em Memória de Lutas de Ruth Brito Lemos Terra (Global, 1983), onde ela compara a abordagem de Chagas Batista, mais documental, com a de Leandro Gomes de Barros, mais fantasiosa e romantizada. Tal como Lampião, Silvino foi exaltado por poetas e escritores como um guerreiro nobre e ético. Em As Infâncias de Quaderna, de Ariano Suassuna, é ele quem resgata o menino Quaderna, raptado por ciganos, e o devolve à família; em Menino de Engenho, José Lins do Rego reconstitui uma visita do cangaceiro ao coronel José Paulino, que o recebe à mesa, com todas as honras.

Foi, aliás, o próprio Zé Lins que em 1938 levou Graciliano Ramos a visitar Silvino na prisão, antes do seu indulto.  Numa crônica no Jornal de Alagoas (18-9-1938, aqui: http://bit.ly/NI7SRl), Graciliano faz um retrato elogioso do ex-cangaceiro, onde ficam evidentes os preconceitos de raça e classe que ambos inconscientemente compartilhavam. Diz ele: “Antonio Silvino é um homem branco. Seria mais razoável que fosse um representante das raças inferiores, que, no Nordeste e em outros lugares, constituem a maioria da classe inferior. Mas é um branco, e se for examinado convenientemente, não dá para bandido. (...) Homem de ordem, indispôs-se com outros homens de ordem, fez tropelias no sertão, caiu numa cilada e penou vinte anos para lá das grades. Continuou, porém, a ser o que era, apesar da cadeia: homem de ordem, membro da classe média, com todas as virtudes da classe média”. Sertanejos escritores, políticos ou cangaceiros que respiravam o mesmo ar, as mesmas idéias.