Uma coisa fascinante no capitalismo é a capacidade que ele
tem de nos fazer comprar a mesma coisa mais de uma vez. Ele cria em nós,
primeiro, uma fascinação inesgotável por um produto; depois, nos ensina a fazer
minúsculas, sutilíssimas distinções entre aspectos deste produto; em seguida,
oferece-nos versões quase idênticas do produto, mas com diferenças suficientes
para que digamos: “Quero todas duas!”. Ou todas três, ou trinta.
Blade Runner (1982), foi um fracasso de bilheteria nos
EUA, onde custou cerca de 28 milhões de dólares e rendeu 27. (Rendeu um pouco mais
no mercado externo, mas em termos da contabilidade dos estúdios, que precisam
de retorno rápido, isso não pesou muito.) Ao completar 30 anos, foi preparada
uma caixa especial, custando cerca de 50 dólares, com nada menos de dez horas
de cenas extras, e três versões integrais do filme.
Ao todo, existem cinco versões. Primeiro houve a versão
original, exibida nos cinemas, e a versão internacional, que é quase a mesma,
com a adição de algumas cenas de violência. Em 1992, o diretor Ridley Scott
produziu a “Versão do Diretor” (“Director’s Cut”), removendo a narração em
“off” e modificando algumas cenas, mas ainda assim não ficou satisfeito (ele é
considerado um perfeccionista capaz de enlouquecer qualquer equipe), e em 2007
ele concluiu o chamado “Final Cut”, onde modificou tudo que achou necessário
(inclusive chamando a atriz Joanna Cassidy para refazer, 25 anos depois, cenas
que tinham sido feitas por uma dublê). E
existe uma quinta versão chamada “Work print”, que seria uma primeira edição do
material filmado, com muitas cenas que foram excluídas depois. (Ao que parece,
a caixa inclui as versões 1, 4 e 5.)
A cultura de massas é considerada o reino do descartável, do
superficial. Supõe-se que o espectador
vê um filme, dá tchau e vai ver o próximo. Pertence ao mundo acadêmico essa
disposição para examinar e comparar diferentes versões de uma obra. Quantas
teses não já foram escritas comparando a versão em folhetim e a versão em livro
de alguma obra de Dostoiévsky ou Dickens? Mas a tendência das últimas décadas é
a de estimular a produção dessas versões, em primeiro lugar para vender as
duas, é claro, mas com um efeito colateral: a criação de uma faixa crescente do
público cada vez mais atenta a detalhes e a variantes. Isto é resultado do
videocassete e do DVD, que pela primeira vez deram ao espectador comum a
possibilidade de rever uma cena quantas vezes quisesse, parando, voltando,
vendo de novo – uma experiência de espectador totalmente diferente da
experiência passiva, meramente receptiva, do espectador tradicional do cinema.