(ilustração: John Sherffius)
Ray Bradbury escrevia bonito, e muitos leitores (e críticos)
da FC dos anos 1950 se impacientavam ao perceber que ao invés de avançarem
rapidamente pelo livro, virando página por página, estavam se detendo para
reler e saborear um parágrafo especialmente rico em nuances de significado,
inversões sintáticas, visualizações inesperadas, forte apelo sensorial. Ele foi um dos primeiros estilistas da FC
nos anos 1950, juntamente com Theodore Sturgeon, Cordwainer Smith e outros que
não tiveram medo de escrever FC numa linguagem “poética”, esse terrível
adjetivo que para muito escritor é o “beijo da morte”.
O estilo poético proporcionou a Bradbury, que começara sua
carreira nas revistas mais baratas de “pulp fiction”, a chance de publicar nas
revistas chiques dos EUA, revistas que pagavam bem e serviam como vitrine
diante da “intelligentzia” literária.
Com isto ele abriu duas frentes de leitores, simultâneas – os
intelectuais que liam “Collier’s” ou “The Saturday Evening Post”, e a rapaziada
da FC que lia pulp magazines como “Planet Stories” e “Astounding Science
Fiction”. Manter e unir esses dois públicos
foi uma das muitas façanhas desse autor que sempre soube assegurar a ampliação
e manutenção do seu contingente de leitores: foi roteirista de Hollywood (“Moby
Dick”, de John Huston), teve dezenas de histórias adaptadas para a TV e os
quadrinhos, e escreveu numerosas peças de teatro.
Quando Mikhail Gorbachev visitou os EUA e foi recebido por
Reagan na Casa Branca, os únicos convidados cujo nome ele indicou pessoalmente
foram Ray Bradbury e Isaac Asimov, com a explicação: “São os autores
norte-americanos mais conhecidos e mais amados na URSS, e os favoritos da minha
filha”. A FC tem esse espírito
eliminador de fronteiras geográficas e políticas.
Assim como Asimov, Bradbury não dirigia automóvel e tinha
medo de avião. Melhor para nós, porque cada vez que ele ficava em casa escrevia
um conto como “O pedestre”, “Um som de trovão”, “Encontro noturno”, “O anão”,
“A terceira expedição”... Como escritor
de FC, Bradbury sempre teve uma atitude crítica contra a tecnologia, a
mecanização, a cultura de massas. Seu romance mais famoso, “Fahrenheit 451”, é
um terrível panfleto contra uma sociedade dominada pela propaganda e por
“reality shows”. “As crônicas marcianas” não são a história de um triunfo, mas
de uma colonização brutal, em que os terrestres destroem impiedosamente a
civilização marciana. Seu temperamento
sentia-se talvez mais à vontade na fantasia tenebrosa (“dark fantasy”) onde ele
foi o mestre de uma mistura peculiar entre o lirismo, o fantástico, o terror e
o humor.