sexta-feira, 1 de junho de 2012

2885) A cela solitária (1.6.2012)



(foto: James Nizam)


Minha cela mede menos de dez metros quadrados. É tão pequena que a conheço de cor; é tão grande que a cada dia que passa conheço-a um pouco mais.  

Dentro dela existe apenas o bloco retangular de cimento em que durmo, um bloco maciço, sem espaços ocos onde eu possa guardar... o que?  Veneno?  Um rádio transmissor?  Uma metralhadora? Uma caneta, um caderno?  O que imaginam eles que um homem trancafiado pelo resto da vida é capaz de guardar, se lhe derem um lugar onde fazê-lo?

O colchonete de espuma é trocado quase diariamente (quase: não são tão organizados quanto imaginam ser), não para meu conforto, mas para evitar que eu... que eu o quê? Arranque pedaços dele, coma-os para me suicidar por engasgamento?  Que eu escreva nele uma mensagem com tinta invisível?  

Sou um homem de 77 anos, de mãos vazias e pés descalços.  Eles não sabem o que sou capaz de fazer, e trocam os colchonetes.

Minha refeição é enfiada pela portinhola rente ao chão: um prato e uma caneca sem asas, ambos de alumínio, sem talheres.  

Tenho que comer com as mãos (que limpo depois na roupa – trocada duas vezes por semana). Quando há galinha, vem desossada.  Para que eu não degole com a simples lasca de um osso as duplas de carcereiros que se revezam à porta de ferro?  Quem sabe?

Escrevo.  Como escreviam os poetas de milênios atrás: escrevo mentalmente, contando-me histórias, reconstituindo minha vida e as batalhas que travei, celebrando a pele e o perfume das mulheres sequiosas que me amaram.  

Aperfeiçoo o passado e celebro o futuro.  Concebo e aplico novos esquemas métricos, novas simetrias da rima.  Componho epopéias com tamanha intensidade que algum espírito (não duvido) sonhará com elas um dia e, sem as entender, as confiará finalmente ao papel.

Cuido do planeta como uma mulher cuida de sua própria casa: tentando entender suas necessidades e desejos.  

Ao longo dos anos, um paralelogramo de luz, projetado pela janela gradeada e inacessível, se desloca e se deforma ao percorrer as paredes.  Fui marcando os seus pontos mais altos e mais baixos, o extremo a que chega no fim de cada solstício, antes de retroceder rumo ao extremo oposto. 

Fiz isto com marcas de unhas, sutis, que parecem pequenos pedaços descascados na tinta, por acaso.  Só eu enxergo e reconheço a área por eles delimitada. Se meus carcereiros percebessem o que quer dizer, apagariam tudo, raspariam a tinta, pintariam de novo, mesmo sem saber o significado daquilo.  

“Por precaução”, diriam eles. Eu afirmo que o fazem por medo, esse enorme medo que nasce da ignorância e da insegurança de qualquer milhão de homens quando enfrentam um único homem que são incapazes de compreender.