A
palavra “clichê” virou um termo pejorativo. Dizer: “Isso não passa de um
clichê”, equivale a dizer: “Isto é algo inferior, algo errado, algo que não se
deve fazer”.
Uma fama imerecida, em
grande parte. Todo mundo precisa de clichês,
e estou pensando em oferecer um milhão de dólares a quem apontar qualquer
artigo meu, nesta coluna, sem um clichê sequer.
Clichê, antigamente,
significava aquelas placas de zinco que, recobertas de tinta, reproduziam as
fotos nos jornais. Meu primeiro emprego
aos 15 anos, no “Diário da Borborema”, consistia justamente em ser “arquivista
de clichês”. Quando a página era desmontada na oficina, eu limpava e guardava
de volta, num armário, as placas-fotos usadas em cada edição, para serem usadas
de novo no futuro.
O clichê é isso: uma
coisa já pronta, que não muda nunca, e que é repetidamente usada quando se quer
mostrar de novo uma coisa.
Todo
Papai Noel tem que dizer “rou, rou, rou”?
Todo mineiro come pão de queijo?
Todo gaúcho fala “tri-legal” o tempo todo, e todo nordestino fala
“oxente”? Não, mas para quem é de fora,
esses clichês ajudam a carimbar uma informação, sem precisar se preocupar,
porque o entendimento é instantâneo.
Se num cartum aparece um negro de
dreadlocks com um acarajé na mão e dizendo: “Que qué isso, meu rei...”, qual o
Estado onde ele nasceu? Todo patrão é gordo e fuma charuto. Toda loura é burra.
Todo paraíba é rústico e ignorante. Todo mexicano usa sombrero.
Na
mídia, o clichê é mais frequente do que no mundo real, porque quem o usa quer
apenas rotular algo e passar adiante para dizer outra coisa. No mundo real, os elementos reais do clichê
(os dreadlocks, o acarajé) se diluem no meio de mil outros elementos igualmente
reais.
Na mídia, o clichê é mais uniforme porque quem o repete prefere repetir
sem interferir, copiar-e-colar. Um Papai
Noel dizendo “hum, hum, hum” seria imediatamente corrigido pelo empregador. Na
vida real, as incidências do clichê são aleatórias, espontâneas, com variantes
e desvios, mas quem usa o clichê na mídia não quer correr riscos afastando-se
do modelo, e copia o modelo da forma mais exata possível.
Na
mídia, o clichê é mais limitado, porque não quer trazer uma informação nova,
mas decolar a partir de uma informação velha. O clichê é uma premissa que não
está ali para ser discutida, mas apenas para dar partida em outro enunciado.
Equivale a um “todo mundo sabe que quem toma chimarrão é gaúcho, e estamos
conversados”. O clichê é o substituto de
mil outras coisas tão reais quanto eles, mas que não ganharam esse peso
simbólico do Detalhe Definidor que nunca muda, e que se transforma numa
informação inquestionável.