O novo livro-poema de W. J. Solha
é o segundo de uma série que se iniciou com Trigal com Corvos comentado aqui:
http://bit.ly/JuKe8C)
e que deverá se concluir com Ecce Homo (em preparo). Um livro-poema ou
poema-livro é um poema longo que pode ser publicado sozinho, porque sozinho já
enche um volume. Poemas-livro clássicos na poesia brasileira são, por exemplo, Poema Sujo (1976) de Ferreira Gullar, Cobra Norato (1931) de Raul Bopp, Invenção de Orfeu (1952) de Jorge de Lima. Em seu poema de 90 páginas, Solha
se inspirou nos famosos Marcos da literatura de cordel, aquelas fortalezas
gigantescas e inexpugnáveis que os cantadores imaginam e descrevem com
barroquismo de detalhes. Entre os
clássicos populares Solha cita na abertura do seu livro O Marco do Meio Mundo (1915) de João Martins de Athayde e Como derribei o Marco do Meio Mundo (1916) de Leandro Gomes de Barros.
A diferença principal é que
Solha, não sendo cordelista, não recorre à sextilha, mas ao verso livre, sem
métrica fixa, embora crivado de rimas a intervalos irregulares; isto talvez dê
ao poema a condição de ser o primeiro Marco modernista de nossa literatura.
Além disso, se outras qualidades não tivesse, o poema tem o fato inédito de não
ser uma fortaleza militar, mas artística. Os Marcos dos cantadores são castelos
ciclópicos munidos de muralhas, arames farpados, cercas elétricas, cães
ferozes, fossos cheios de crocodilos, e têm no seu interior tropas inesgotáveis
munidas de canhões, metralhadoras, granadas.
O “Marco” de Solha, que ele vai construindo página por página, andar por
andar, é uma espécie de Aleph para onde convergem edifícios, subterrâneos,
lagos, cataratas. Ali começa a ser edificada uma Torre gigantesca, para cujos
andares sucessivos são convocadas obras de toda a história da Arte: pinturas,
poemas, esculturas, filmes, além de vultos históricos, episódios lendários.
A Torre assim construída reflete
a voracidade com que o poeta busca assimilar e sintetizar toda a cultura
universal, no esforço titânico de concentrar num só hiperponto toda a História
do mundo: “Tudo é uma roda / grande / rolando na roda / pequena”. A catadupa
estonteante de imagens, nomes, flashes, comparações, citações é despejada sobre
o leitor à medida que a Torre se eleva como uma Babel-do-bem em que tudo se
harmoniza e se encaixa, embora o faça dentro do princípio barroco de que “na
arte / o todo é sempre menor / do que sua melhor parte”. Para quem curtiu o voo
alto do Trigal com Corvos, o Marco do Mundo é um mergulho no hiperespaço,
na dimensão em que todas as coisas e todas as idéias se fundem numa só
partícula pulsante onde cabe o Universo.