(Drummond, por Dirceu Veiga)
O
Modernismo foi, entre muitas outras, coisas, a crise da poesia lírica, a poesia
dedicada à expressão do Eu, posta em xeque pelas enormes transformações
sociais no Ocidente no período (digamos) 1850-1918. O mundo deixou de ser simples, e categorias
de pensamento que vigoravam há séculos foram pulverizadas durante a vida dessa
geração. O lirismo deixou de ser um cortar-e-colar de expressões infalíveis
(“seio palpitante”, “virgem pura”, “beijos apaixonados”, etc.) para absorver um
olhar um tanto cínico e cúmplice entre o poeta e a mulher amada. E não só a mulher amada. Foi também uma crise lírica entre o poeta e
sua Pátria (usava-se muito esta palavra naquela época), sua classe social, os
métodos de enriquecimento dos seus antepassados, o próprio planeta.
Em
“O sobrevivente”, incluído em Alguma Poesia (1930), Carlos Drummond lança seu
brado ironicamente apocalíptico: “Impossível compor um poema a essa altura da
evolução da humanidade. / Impossível escrever um poema – uma linha que seja –
de verdadeira poesia. / O último trovador morreu em 1914. / Tinha um nome de
que ninguém lembra mais.”. CDA devia
estar pensando no começo da I Guerra Mundial; curiosamente, quem morreu em 1914
foi o primeiro trovador dos novos tempos (Augusto dos Anjos), da nova visão de
mundo, do novo vocabulário, do novo ponto de vista.
O ponto de vista agora é tecnológico, quase de ficção científica: “Há
máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples. / Se quer
fumar um charuto aperte um botão. / Paletós abotoam-se por eletricidade. / Amor
se faz pelo sem fio. / Não precisa estômago para digestão. (...)” É o fascínio pelo que o século 20 nos
prometeu de automatização, de mecanização das tarefas, um mundo dos Jetsons,
ecoado por Guimarães Rosa no seu Grande Sertão: “Pois os próprios antigos não
sabiam que um dia virá, quando a gente pode permanecer deitada em rede ou cama,
e as enxadas saindo sozinhas para capinar roça, e as foices, para colherem por
si, e o carro indo por sua lei buscar a colheita, e tudo, o que não é o homem,
é sua, dele, obediência?”.
Drummond conclui: “Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. / E se
os olhos reaprendessem a chorar seria um
segundo dilúvio. / (Desconfio que escrevi o poema.)”. O poeta sobrevive ao fim do mundo
pré-tecnológico. Sabendo da necessidade de uma nova poesia para esse novo
mundo, e se arrisca nessa nova poética onde o máximo que pode se permitir é
desconfiar que um poema foi escrito, mesmo que essa desconfiança seja, naquele
momento, a única alteração indicada pelo seu barômetro poético.