Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 18 de março de 2012
2821) O inferno do plágio (18.3.2012)
Acusado de ter cortado e colado centenas de trechos de dezenas de autores para compor seu romance policial de estréia, Assassin of Secrets (sob o pseudônimo de Q. R. Markham), Quentin Rowan está sendo o plagiador mais em evidência na imprensa mundial. O plágio é uma coisa engraçada. De um modo geral é considerado (pelo menos nos ambientes que eu frequento) um crime vergonhoso, comparável moralmente à delação. E no entanto a maioria das pessoas já plagiou ou já foi plagiada em alguma medida, mesmo nas atividades mais discretas e nos contextos mais obscuros.
Rowan fez uma colcha-de-retalhos com parágrafos alheios, na ingênua esperança de que ninguém achasse familiar alguma dessas frases e fosse checar no livro original. (O que aconteceu, claro.) Faltou-lhe senso prático; fez o que fez numa espécie de delírio manso. Faltou-lhe inclusive um pouco de sofisticação intelectual, porque eu no lugar dele diria que estava fazendo “metaficção”, “mash-up narrativo”, “colagem pós-moderna”, qualquer coisa que me possibilitasse pelo menos bloquear a acusação de plágio e manter o livro nos balcões das lojas. Não seria o primeiro.
Jonathan Lethem, que publicou um artigo sobre plágio consistindo quase inteiramente de frases alheias (com créditos revelados no final), disse sobre Rowan: “Parece que ele fez algo muito mais trabalhoso do que simplesmente sentar e escrever um livro. Compor um texto a partir de outros não é um passatempo de preguiçoso. Falo como quem já fez isto: é uma imensa quantidade de trabalho”. Um dos autores copiados por Rowan, Charles McCarry, escreveu ao seu agente literário: “Hi, Jack. Pobre sujeito: tanto cortar-e-colar, e nenhum prazer de verdade. (...) Pode declarar também: Ele não me causou nenhum mal, e não tenho ressentimento contra ele”.
Pressionado pela obrigação de ser “geniozinho”, Rowan, ao invés de escrever um livro, preferiu o caminho mais tortuoso, mais cansativo, menos lógico, e mais arriscado. Ele diz: “Quando eu era garoto, tinha a sensação de uma expectativa a meu respeito. Era uma dessas coisas estranhas – eu pensava que meus pais ficariam decepcionados se eu me tornasse, por exemplo, um mero cirurgião ou um mero advogado”. A obrigação do sucesso intelectual pesa tanto quanto (ou mais do que) a obrigação do sucesso financeiro.
Rowan é símbolo e sintoma de uma época de bolhas financeiras, quebra do sistema de crédito bancário, etc., uma época em que o mundo ocidental falsificou um cheque e começou a gastar por conta, alucinadamente, porque sabia que a inexistência de fundos não tardaria a ser descoberta. No futuro será reconhecido como o autor emblemático do começo do século 21.