Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 16 de março de 2012
2819) “Drive” (16.3.2012)
Este filme de Nicolas Winding Refn é à primeira vista apenas mais um thriller policial em que indivíduos truculentos praticam roubos e abatem a tiros quem se atravessar na sua frente. Muda somente o ponto de vista, porque agora a história não se concentra nos assaltantes, e sim no motorista. É um piloto de automóvel cheio de recursos e com muito sangue frio, que trabalha numa oficina e de vez em quando faz bico como dublê, em cenas de acidentes com carros. Ele não assalta: apenas se aluga aos assaltantes, com o compromisso de ficar à espera durante o golpe, e depois fugir com os bandidos, deixando-os em lugar seguro. Não pega em armas, não atira, não fica com a grana, a não ser o pagamento combinado pelos seus serviços.
Parece um thriller tradicional, misturando a espetacularidade das perseguições de carros e a trama intrincada, surpreendente, de todas as histórias que envolvem gangsters, uma rapaziada especialista em mentir, enganar, trair, dissimular. História com gangster está sempre sujeita a reviravoltas, porque eles nunca são o que fingem ser, e eles mesmos não sabem quando estão fingindo ou sendo.
Este filme, no entanto, tem menos a ver com o Passado (o thriller tradicional) do que com o Futuro, que são os videogames. Ele absorve de maneira muito eficaz a estética dos videogames, e, para além da estética, aquilo que podemos definir precariamente como o clima, o espírito dos games. Aquela sensação de quem está numa espécie de vácuo iluminado, onde coisas existem mas parecem apenas aparências coloridas e translúcidas, carentes de substância, o que não impede de nesse mundo haver também vida, amor e morte.
Ryan Gosling, que faz o “driver”, tem a inexpressividade de uma estátua da Ilha da Páscoa, e isso é proposital. Ele se comporta do início ao fim (num gestual certamente preparado com infinitos cuidados e ensaios) como um “carinha”, um “avatar” que é manipulado pelo jogador num game. A caminhada rítmica, um tanto mecânica. A violência que irrompe de repente, num frenesi de energia de que aquele corpo apático parecia incapaz. Os gestos entrecortados ou abruptos, o rosto parado enquanto os olhos giram nas órbitas até enquadrar o interlocutor; e então um sorriso deliberado que acontece apenas na boca, a resposta numa voz que parece gravação, e depois o sorriso se desfazendo em retrocesso até o rosto voltar à impassibilidade anterior. É assim que (pelas limitações da computação gráfica atual) os personagens de videogames agem; e é assim que o ator mimetiza esse tipo de ação. Para atrair, seduzir e convencer os espectadores para quem o videogame é o Presente, e o cinema o Passado.