quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

2794) K: The Game (16.2.2012)




(The Modern Word)

Recebi anteontem o pacote da TrialAndError Inc., contendo a versão 1.0 de K, o game mais badalado desta estação. Como de hábito, mergulhei direto na experiência do jogo em si, sem consultar o material preparatório. Faço isto porque um game deve se assemelhar à vida, na qual desembarcamos sem ter feito cursinho ou treinamento. E não me arrependi. 

Um exame perfunctório da caixa me deu a idéia de que o jogo se concentrava na obra O Processo, mas no momento em que penetramos naquele labirinto percebemos que (possivelmente) toda a obra de Kafka irá se recriar diante dos nossos olhos, nas ruas de uma Praga em tons alternados de azul-chumbo, sépia-ferruginoso, cinza-grão, mogno-em-chamas.

A peregrinação de Joseph K pelos corredores do poder não se dá sem uma série de confrontos físicos (os dois agentes que o perseguem são especializados em castigos corporais, nos quais o jogador incorre com frequência, aleatoriamente). 

Demorei um pouco até perceber que a morte por degola num terreno baldio é uma possibilidade recorrente neste jogo, e, quando ocorre, é habilmente sucedida por um despertar em que o jogador acorda sob a forma de Gregor Samsa. 

E necessita cumprir uma série de tarefas, e vencer uma série de obstáculos, até conquistar o direito de acordar de novo como Joseph K na manhã de sua detenção, e começar de novo.

O Castelo aparece como um labirinto transdimensional que exige do jogador o máximo de acuidade de vista, reflexos rápidos, perfeita coordenação motora, além da capacidade de travar um diálogo metafísico e consequente enquanto corre ao longo de corredores-moebius sem fim. 

Respostas erradas às perguntas dos prepostos do Conde de West-West aumentam a ambiguidade geométrica dos abismos em forma de fractal.

A sutileza e a indireção estão presentes no jogo: a fase Samsa é um game em primeira pessoa em que não vemos o inseto que somos (não há espelhos na casa), e temos que adivinhar (sofridamente) como ele se locomove, se alimenta. 

Na fase “Colônia Penal” (um dos castigos alternativos para K), não sabemos quais as frases tatuadas na pele do condenado, mas todos poderão lê-las e agirão de acordo (sem nos explicar nada). 

A Muralha da China é outro labirinto interminável, em que é preciso montar citações literárias como tijolos num texto coerente, até fazer surgir na Muralha alguma das portas que levam ao Castelo. 

É um jogo intensamente literário; obras dos autores favoritos de Kafka podem ser lidas ou consultadas nas onipresentes estantes. Um dos universos-de-imersão mais fascinantes e inesgotáveis que a indústria dos games nos proporcionou nesta década de 2050. Cotação: 5 estrelas.