Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
2783) Nara Leão (3.2.2012)
Neste mês de janeiro completaram-se 70 anos do nascimento de Nara Leão, e, como sempre acontece com quem morre jovem, ficamos tentados a imaginar como seria ela com essa idade. O rosto, o cabelo, a voz, o repertório...
O sorriso talvez continuasse igual. Aquele sorriso tímido que ela mostrava, meio encabulada, desviando o olhar para pensar melhor; mas deixava o sorriso segurando o interlocutor até que o olhar viesse de volta.
Nara foi essa fórmula terrível que a imprensa criou, “porta-voz de uma geração”. As pessoas assim chamadas geralmente se sentem desconfortáveis com um título tão pomposo, porque na verdade não estão preocupadas em falar por geração nenhuma. Falam por si, por um grupo de amigos, por algumas outras pessoas que acham importantes.
Sabem que nenhuma geração é homogênea ou unânime, até porque uma coisa que os “porta-vozes de geração” têm em comum é serem ferozmente combatidos e incompreendidos, também, por gente de sua idade.
O saite criado em sua homenagem (www.naraleao.com.br) traz um material variado, com links para todos os seus discos. Não dá para baixar as músicas, mas dá para escutá-las em “streaming” enquanto o saite fica aberto na tela. E aqui estou eu passeando pelos anos em que Nara era aquela musa carioca, inatingível – e ao mesmo tempo tão próxima.
Se os anos 1960 tiveram uma única coisa boa talvez tenha sido a redenção das mulheres não-deusas, não-pinups, não-gostosonas. Meninas miúdas, de cabelinho chanel, dentes um pouco salientes, vestindo blusas de gola rolê (que a gente chamava “gola olímpica”), começando a ousar minissaias ou calças Lee. Meninas sem nada de Ursula Andress ou Rachel Welch, mas meninas reais, que tocavam violão e tomavam refrigerante, cantavam canções em que apareciam os assuntos das primeiras páginas dos jornais...
Eram as meninas da nouvelle vague (Chantal Goya, Anna Karina), as meninas do “free cinema” inglês (Rita Tushingham, Julie Christie), as meninas da Bossa Nova. Nenhuma era uma vamp, nenhuma era símbolo sexual; por isso mesmo, aos nossos olhos adolescentes elas não tinham relação com nossas tórridas fantasias. Pertenciam à nossa vida, eram reais e possíveis, e eram um ensinamento.
Pois é... Não falei da Nara que cantava os barracos, as favelas, os camponeses, as donas de casa, os capoeiristas. Que passou pela Bossa Nova, pela MPB rural-esquerdista, pelo tropicalismo, recantou a Jovem Guarda e os “standards” norte-americanos (está tudo lá para se ouvir, faixa por faixa). E um dia parou de cantar, saiu de cena sem chamar a atenção e deixou o sorriso tímido tomando conta da gente, com uma quase promessa de que ela voltaria logo.