domingo, 22 de janeiro de 2012

2773) Souvenirs (22.1.2012)




Trouxemos da Malásia um casco de tartaruga, laqueado num tom de verde-lodo que lhe confere um aspecto de contemporâneo da Atlântida, algo encontrado por acaso por um mergulhador milionário que testava seu novo aqualung com amigos, num fim de semana. 

Da Califórnia trouxemos uma coleção de máscaras de borracha em forma de focinho de cão, de lobo, de leão, máscaras que parecem ajustar-se perfeitamente aos nossos rostos, e que ao serem tiradas deixam a sensação de quem de repente se vê privado de todos os seus dentes.

Da Capadócia trouxemos uma pedra-pomes do tamanho de um travesseiro, que reproduz em miniatura as cidades-galerias ocultas nas cavernas de calcáreo. 

De Málaga trouxemos rosas vermelhas, cada uma mais vermelha do que as outras, como se estivessem disputando entre si não só a nossa atenção como também as chances de um contrato milionário para aparecerem diariamente na televisão das rosas. 

De Benares trouxemos um elefante vivo, pouco maior que um cão. 

De Addis-Abeba trouxemos um robô de madeira que bate num pequeno bombo e funciona com duas pilhas AA, do tipo comum, e com isto passa o dia inteiro batendo no bombo, abrindo e fechando a boca sem emitir sons.

De Berlim trouxemos uma bomba da II Guerra, ainda intacta e capaz de explodir; foi colocada na sala, onde as visitas podem tocá-la com curiosidade, e, quem sabe, um dia... (a angústia do perigo nos excita). 

De Brunei trouxemos uma pequena peça de artesanato feita em papel de seda e fios de cobre muito finos; sua estrutura lembra as camadas sucessivas de uma cebola, sendo abertas por um corte longitudinal que se alarga puxando de dentro de si a camada seguinte e fechando-se do lado oposto, como um leque esférico, de tal modo que, quando se fecha a última camada, emerge de dentro dela a primeira de todas, e tudo recomeça em loop.

De Nairobi trouxemos uma serpente empalhada (ou embalsamada – não entendemos bem a diferença), cravejada ao longo do corpo com toda sorte de objetos pontiagudos: uma agulha hipodérmica, uma seringa contendo heroína malhada, uma varinha do jogo de pega-varetas, uma curiosa tesourinha-de-unhas com três lâminas, uma ponta de flecha neolítica, uma caneta tinteiro Mont Blanc, um parafuso de aço com rosca canhota; cada um corresponde a uma graça alcançada. 

E de uma cidade serrana, no nordeste do Brasil, trouxemos uma pedrinha encontrada na calçada enquanto caminhávamos de volta para o hotel; um seixozinho que rolava à toa, que todos chutavam ou pisavam sem enxergar; não nos custou nada mas hoje não o trocaríamos por todo o resto de nossa coleção, guardada nos seis andares do nosso museu hexagonal de vidro fumê.