Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
2763) Dicas de Billy Wilder (11.1.2012)
(Billy Wilder)
O diretor Cameron Crowe fez com o mestre Billy Wilder algo parecido com o que François Truffaut havia feito com Hitchcock: um livro (Conversations with Billy Wilder) de discussão minuciosa sobre os segredos do cinema. Wilder é um dos narradores mais inteligentes do cinema americano, e suas observações vão ao cerne da arte da narrativa visual. Como todo mundo sabe, o artista incompetente não consegue seguir as regras, o artista medíocre segue as regras, o artista de talento cria regras para os demais, e o gênio cria regras que só se aplicam a ele próprio. Wilder pertence ao terceiro tipo.
Ele diz, por exemplo: “O público é volúvel. Agarre-o pela garganta e não o solte”. O cinema é uma diversão popular. Por mais que as pessoas estejam trancadas numa sala escura, sentadas em poltronas presas ao chão, viradas para a tela, as possibilidades de distração são infinitas. Acho que foi Caetano Veloso quem disse que na Europa as pessoas veem um filme como quem assiste uma ópera, e nos EUA veem um filme como quem assiste um jogo de basquete. É pipoca, é refrigerante, é namorada, é turma, é brincadeira, é jogar bolinha de papel na cabeça dos amigos... Tem que dar uma trava nessa galera. É preciso imobilizar o espectador e deixá-lo de olhos arregalados, com a mão cheia de pipoca parada a meio caminho da boca aberta, durante vários minutos. Todo o cinema de super-heróis, de perseguições e de efeitos especiais é uma hipertrofia dessa tendência. Wilder segurava a atenção da platéia para mostrar e dizer; esses filmes o fazem apenas para mostrar.
Li uma vez um comentário sobre o teatro no tempo de Shakespeare. Teatro naquele tempo era diversão popular, devia ser uma coisa tão barulhenta quanto uma peça de mamulengos numa feira nordestina. Daí que o dramaturgo, para calar o vozerio da platéia, tinha que começar as peças com imagens de impacto, que agarrassem a audiência pela garganta: um fantasma em Hamlet, bruxas em Macbeth, etc. Eram os “efeitos especiais” daquele tempo.
Wilder complementa essa dica dizendo: “Estabeleça uma linha de ação clara para o protagonista do filme, e saiba para onde está indo”. A primeira parte é essencial para capturar o interesse do público, que, em geral, se liga ao que acontece com o personagem Fulano. A segunda parte simplesmente nos lembra que não podemos deixar para improvisar o fim do filme na hora da filmagem. Lembrem-se: não estamos falando em Cinema de Arte, onde o artista faz o que lhe dá na telha e arca com as consequências. Estamos falando de Billy Wilder, cinema comercial inteligente, de boa qualidade, capaz de nos divertir e de mexer com camadas misteriosas da nossa mente.