Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
2756) A palavra mangar (3.1.2012)
“Mangar” é uma dessas palavras que, lá pelo Rio e São Paulo, denunciam de cara um nordestino. Me lembro de uma vez em que um grupo de amigos fazia gozação com meu vocabulário e eu disse: “Eu falo igual a vocês todos, não vejo motivo pra ficarem mangando de mim”. Foi o que bastou!
Diferentemente de muitos outros termos do nordestinense, lá fora as pessoas em geral entendem o que a palavra quer dizer, e conseguem usá-la com propriedade. O ponto onde a coisa trava é a regência verbal. Nós dizemos “mangar de”: “Todo mundo mangou de mim porque eu abotoei errado a camisa e não reparei”. Pessoas não-nordestinas usam a-três-por-dois a regência “mangar com”: “Não sei por que vocês estão mangando comigo”.
Isto parece que vem de longa data, como se pode ver neste exemplo colhido meio ao acaso: “...parecia crer que, oculto em algum lugar, Deus também o ouvisse e mangasse com ele, de lá do forro do céu, mando modo: -- ‘Você pecou de bobo, Chefe! Foi trabalhar, de bobo, só...’” (Guimarães Rosa, “Buriti”).
Por que será? Talvez porque quando uma pessoa de fora entende o significado de “mangar”, os primeiros sinônimos que lhe ocorrem sejam “fazer gozação, sacanear, tirar onda, zoar, etc.”. E a regência de todos eles usa a preposição “com”: “Você está fazendo gozação comigo, a gente estava tirando onda com a cara da professora, a galera começou a zoar com Fulano, etc.”.
E estas duas formas se alternam no ouvido dos sudestinos, inclusive dentro da fala e da escrita de um mesmo autor.
Em sua peça Nova Viagem à Lua (1877), onde mistura personagens urbanos e caipiras, Artur Azevedo faz um personagem dizer (ato 3, cena 6):
“Que vestimenta é esta? Eu não sou sordado! Quem me vestiu assim? Mangarum comigo!”.
Já na cena 12 do mesmo ato, o personagem Arruda diz ao filho: “Venha cá, seu rei da Lua, então ‘vacê’ mangou de seu pai...”
Isto certamente se deve ao fato de que o teatrólogo conhecia a palavra através de diferentes pessoas, que usavam tanto a regência correta quanto a errada. E na hora de escrever, “ao correr da pena”, como se dizia na época, vinha-lhe ora uma ora outra expressão, sem que ele percebesse.
A melhor maneira de consertar esse pequeno erro é explicar às pessoas de fora que “mangar” significa “zombar” – um verbo que pede a mesma regência, usando a preposição “de”: “A gente ontem estava mangando da torcida deles, mas agora são eles que estão zombando da gente”.
Diferentemente dos outros sinônimos acima, são verbos totalmente intercambiáveis, que têm o mesmo sentido e pedem a mesma preposição. Portanto, vamos definir mangar como zombar, e parar de fazer as duas coisas com nossos compatriotas.