Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 10 de dezembro de 2011
2736) O artista farol (10.12.2011)
(ilustração: Jaron Phillips)
Escrevi uma vez que esses poetas que se dizem influenciados por Arthur Rimbaud deveriam ter radicalizado essa influência e parado de produzir poesia aos 19 anos, como ele fez. É um gracejo, meio sem sentido aliás, porque para ser influenciado por Rimbaud basta ter lido uma vez alguns dos seus grandes poemas. Rimbaud dedicou a sua curta obra, escrita ao longo de cinco ou seis anos, uma intensidade de pensamento e de trabalho equivalente a uma vida inteira de um sujeito normal. Muita gente, contudo, esquece esse trabalho insano e acaba querendo imitar os cacoetes superficiais de Rimbaud: sua andarilhagem, seu homossexualismo, sua grosseria, sua mania de se alojar na casa alheia, seu gosto pelo escândalo... Nem Bob Dylan escapou.
Ou então, é um jovem guitarrista que quer tocar igual a Keith Richard, e uma das primeiras coisas que faz é começar a injetar heroína. Ou um jovem escritor que lê um livro de Faulkner, se deslumbra, ouve falar que Faulkner era um bêbado, e começa imediatamente a beber, ao invés de escrever. A verdade é que é mais fácil e mais divertido imitar os vícios de um artista do que as noites em claro que ele passou estudando e aperfeiçoando sua técnica. Artistas são, muitas vezes, sujeitos com imensa capacidade de concentração, de esforço, de disciplina; mas como têm um lado romântico e anticonvencional minimizam esse esforço, não querem ficar exortando os jovens a se tornarem “operários padrão”. Mas eles próprios o foram, e sem isto não teriam sido grandes.
O pior de tudo é quando certos artistas viveram uma viagem autodestrutiva que os arrastou para o abismo, mas durante esse processo produziram uma obra que perdurou. O leitor desavisado, o leitor jovem geralmente, imagina que para produzir uma obra como aquela é indispensável viver uma vida como aquela. Pensa que tem a obrigação de tomar todas as drogas que William Burroughs tomou, para ter idéias tão anticonvencionais quanto as de Burroughs; pensa que para escrever como Edgar Allan Poe é preciso viver na penúria, enchendo a cara, brigando com os amigos; pensa que tomar remédios tarja-preta o dia todo e ceder a surtos esquizofrênicos vai lhe dar de graça romances como os de Philip K. Dick.
Esses artistas são como faróis. Existem para serem vistos à distância, não para que alguém se aproxime deles. A obra é a luz que emitem, mas no caso deles é preciso saber que essa luz revela os penhascos ameaçadores onde foi fincada. Dizem aos navegantes: “Este lugar é perigoso!”. Feliz o artista que, mesmo naufragando entre os penhascos, consegue produzir alguma luz que diga: “Afasta-te daqui! Foi aqui que naufraguei!”.