terça-feira, 8 de novembro de 2011

2708) "O Palhaço" (8.11.2011)



O circo, que tem idade para ser avô do Brasil, é tratado no Brasil como se fosse filho dele, como se tivesse nascido entre nós com a finalidade de nos definir e nos explicar. Curiosamente não são muitos os filmes de circo entre nós. Meus preferidos são O Profeta da Fome de Maurice Capovilla e Bye Bye Brasil de Cacá Diegues. Este filme de estréia de Selton Mello como diretor é simpático e terno do começo ao fim, e se tem algum defeito é uma certa indecisão narrativa que o recheia de tempos mortos, de expectativas que não resultam em nada, de cenas que poderiam ser comprimidas em alguns segundos mas levam um minuto na tela. Pode ser proposital, para ficar em sintonia com a melancolia do protagonista, um palhaço jururu que não sorri com nada; mas o filme, que é cheio de cores, vivacidade, tipos caricaturais e situações risíveis, parece estar o tempo inteiro estancando e precisando ligar de novo a ignição.

Selton e Paulo José são pai e filho, dois palhaços num circo mambembe, mas o rapaz tem uma angústia meio existencialista com tudo que vê; sonha com algo que não sabe bem o que é (e personifica isto na imagem permanente de um ventilador, que pelo menos serve para alguma coisa). É um road-movie, como convém a um filme de circo, fazendo um corte pelo interior daquele Brasilzão remoto onde o circo parece ter nascido, onde tudo é igualmente mambembe e vive muito-bem-obrigado, onde as figuras excêntricas do elenco parecem se refletir nos excêntricos da platéia.

Selton é um dos melhores atores de sua geração; aqui ele se cerca de colegas poucos conhecidos e alguns veteranos em participações especiais (além de Paulo José, aparecem Moacyr Franco, Tonico Pereira e Jorge Loredo, o histórico “Zé Bonitinho”). O filme tem encanto visual e humor, e só deixa de tê-los quando perde o passo narrativo. É algo muito frequente nos filmes de estreantes cuidadosos. Eles se preocupam demais com cada plano; depois, quando os planos são enfileirados um atrás do outro, percebemos que cada qual está ótimo mas sua sucessão não é fluida, porque o “timing” de cada um puxa o ritmo do filme para uma cadência diferente. Não é algo que se possa corrigir na montagem porque não dá mais para mexer nos tempos do diálogo e da ação.

Não importa; é um dos bons filmes brasileiros recentes, cheio de detalhes e de sacadas inteligentes, e mostrando uma compreensão e uma identificação instintivas com o espírito circense. Um espírito que toca de perto e fascina os atores, muito mais que diretores, roteiristas ou fotógrafos. Deve ser porque cada ator de teatro e de cinema tem algo de mágico, de domador de feras, de equilibrista e de palhaço.