Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 29 de outubro de 2011
2700) Spoilers (29.10.2011)
O verbo inglês “to spoil” significa, entre outras coisas, “estragar um prazer”. Um spoiler é qualquer coisa – geralmente uma informação – que estraga a surpresa de um filme, um livro, etc. Os mais antigos hão de se lembrar duma antiga charge de Péricles em que O Amigo da Onça sai do cinema e passa ao longo da fila de espectadores que se preparam para entrar na próxima sessão, dizendo em voz alta: “O assassino é o pai da moça... O assassino é o pai da moça...”.
O risco de estragar a surpresa alheia sempre existiu, mas só com a Internet (acho) surgiu o hábito de anunciar a presença dessas revelações. Quando a gente vê num resumo ou numa discussão de uma história alguma advertência (“Warning: Spoilers!”, “Spoilers ahead!”, etc.), já sabe que se ler o trecho seguinte vai ficar sabendo algo que preferiria não saber. Ainda não temos um termo em português que substitua este, uma palavra curta e precisa que diga o que é sem maiores explicações.
Pois muito bem. Uma pesquisa (http://bit.ly/tTOfkw) feita na Universidade da California em San Diego deu a três grupos de estudantes histórias de autores como Tchecov, Raymond Carver, Roald Dahl, etc. Cada grupo recebeu versões diferentes de cada história: no primeiro, o segredo ou surpresa da história era revelado numa breve introdução antes do início; em outro, essa revelação era integrada à história original como se fizesse parte dela; um terceiro grupo recebia a história intacta. Os pesquisadores constataram que as pessoas gostavam mais das histórias cujo final era revelado por antecipação; e curiosamente isto só ocorria quando o final era revelado num parágrafo à parte, como introdução ao conto. Quando a revelação era integrada à história, não havia diferença visível no grau de apreciação. A hipótese dos pesquisadores é de que um “spoiler” pode fornecer um esquema de organização para as informações da história que se segue, levando a uma compreensão mais fácil e a uma fruição maior. Os spoilers também podem aumentar a expectativa por eventos futuros, aumentando assim o prazer da leitura.
Isto toca de perto uma questão importante da narrativa: a diferença entre Surpresa e Suspense. Surpresa é quando o personagem cai na calçada e depois da queda vemos que pisou numa casca de banana. Suspense é quando mostramos a casca de banana e o personagem, distraído, aproximando-se dela. Muitas histórias policiais, por exemplo, revelam já na metade (ou mesmo no começo do livro) quem é o criminoso, mas conduzem a narrativa de tal modo que o fato de ter essa informação aumenta o prazer da leitura, ao invés de diminuí-lo. Como? Ah, amigos, é uma simples questão de engenho e arte.