quinta-feira, 15 de setembro de 2011

2662) O Livro Fantástico (15.9.2011)




Um tema que se alastra cada vez mais na literatura fantástica é o que poderíamos chamar, correndo o risco de uma certa redundância, de O Livro Fantástico. 

Uma grande influência nesse tipo de literatura é a obra de Jorge Luís Borges, que escreveu sobre uma biblioteca infinita (“A Biblioteca de Babel”), um livro infinito (“O Livro de Areia”), um livro que era um labirinto (“O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam”), uma enciclopédia de outro mundo que invade este (“Tlon, Uqbar, Orbis Tertius”) e assim por diante. 

No andar térreo dessa literatura está H. P. Lovecraft com o seu “Necronomicon”, o livro que codifica terrores indizíveis de uma época em que nosso mundo era governados por potestades cósmicas malignas. A Encyclopedia of Fantasy de John Clute & John Grant tem um longo verbete (escrito por Clute, Dave Langford e Brian Stableford) listando esses livros transcendentais, que são personagens por conta própria, núcleos de significação em torno dos quais gravitam os personagens humanos das histórias.

http://sf-encyclopedia.uk/fe.php?nm=books

Há agora toda uma literatura sobre livros míticos, livros mágicos, livros miraculosos, livros que interferem na realidade, livros que manipulam o leitor. 

Livros dados como perdidos e que surgem em nosso mundo para provocar crimes e desastres, como em O Nome da Rosa de Umberto Eco. Livros que são portais para outros mundos, como em A História Sem Fim de Michael Ende. Livros construídos em parceria pelos seus leitores, que podem inclusive modificar o universo em que viveu o autor, como em “The Least Trumps” de Elizabeth Hand. 

Esses livros não são meros objetos passivos, são atores, protagonistas; interferem na realidade, mudam tudo à sua volta, e não apenas pelos modos tradicionais (modificando idéias e opiniões de quem os lê), mas interferindo no mundo físico e se comportando como uma criatura viva, dotada de inteligência, vontade e capacidade de agir. Uma criatura capaz de evoluir; um livro que é outro a cada leitura.

Talvez isso seja uma contraofensiva da palavra escrita que se sente encurralada pela imagem; ou da palavra impressa sentindo-se encurralada pela palavra eletrônica. O livro de papel, desdenhado por ser algo inerte, debate-se, agita-se, procura ganhar vida. Procura ser (olha a palavra crucial) interativo. 

Os livros mágicos da literatura fantástica desempenham papéis que só um livro eletrônico, um CD-Rom ou um video-game interativo são capazes de desempenhar. A literatura fantástica está escrevendo uma metáfora do futuro do próprio livro. Depois de mais de meio século imaginando livros fantásticos, começamos a ver o surgimento desses livros vivos, modificáveis e modificadores.