quinta-feira, 8 de setembro de 2011

2656) A mansão sombria (8.9.2011)





("Hill House")

Alguns dos melhores filmes de terror ocorrem em castelos góticos ou mansões vitorianas. Longos corredores, arcadas, escadarias em ziguezague ou em caracol, pórticos sombrios, passagens secretas, sótãos, porões... 

Revi recentemente Os Inocentes de Jack Clayton (baseado na Outra Volta do Parafuso de Henry James) e Desafio ao Além (“The Haunting of Hill House”) de Robert Wise, baseado no romance de Shirley Jackson. Exemplos perfeitos desse terror cenográfico, arquitetônico, em que os elementos físicos da Casa Assombrada se entremeiam aos elementos sonoros: o vento, o ranger de portas, estalidos inexplicáveis, portas que batem, vidros que se quebram, relógios que soam badaladas.

O uso desses espaços amplos, diversificados, permite ao diretor uma sucessão de efeitos visuais (geralmente baseados no uso do claro-escuro violento, dos movimentos de câmara, dos ângulos esquisitos) e sonoros (ecos, efeitos sonoros de origem indefinida, e música) sempre inesperados e sempre justificados pelo ambiente onde a história acontece. 

Num prédio moderno de apartamentos não existem tantas frestas por onde o vento possa uivar, tanta madeira suscetível de estalos e movimentação térmica, proliferação de tantos elementos decorativos multiplicando as formas e as sombras.

E essas mansões sombrias têm outro aspecto além do visual, um aspecto sociológico. Minha infância foi passada em casas modestas e pequenas, que mesmo assim davam um trabalho medonho a minha mãe e às empregadas. Era um tal de varrer, limpar, esfregar, recolher lixo, colocar objetos de volta no lugar... 

E no cinema surgiam aquelas mansões de 50 quartos, alguns deles trancados há gerações; móveis, tapeçarias, candelabros, quadros, um acervo que faria inveja a qualquer museu. E a impressão constante de decadência, de estagnação. 

Aqueles filmes são hinos visuais à riqueza coagulada de elites que conquistaram mais do que eram capazes de administrar. Enquanto se ergue de novo uma parede desmoronada na Ala Oeste, o vento, a chuva e os cupins estão botando outra parede abaixo na Ala Norte.

Buñuel, em O Anjo Exterminador, enclausura e desmoraliza esses aristocratas ociosos. Não têm a virilidade dos conquistadores que edificaram esses impérios; reproduzem o conhecido padrão de “pai rico, filho nobre, neto pobre”. A história de terror é o gênero ideal para descrever a vida dessas pessoas, herdeiras de um passado que conhecem pouco, de uma riqueza que não sabem usar, de um poder estancado que se deteriora a olhos vistos. 

O terror de uma casa onde caberiam cem pessoas e mora uma dúzia, e que se vinga dos pusilânimes que ousam ocupá-la hoje.