Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 27 de agosto de 2011
2646) Um caso para Perry Mason (27.8.2011)
Para quem nunca ouviu falar, Perry Mason é o advogado-detetive criado por Erle Stanley Gardner ao longo de dezenas de romances policiais (82, para ser exato) que deveriam ser leitura de lazer obrigatória para todo advogado que se preze. Na adolescência, sonhei em me formar em Direito e fazer o que Mason fazia: dar um banho de esperteza no promotor, libertar o cliente (acusado de um crime) e de lambuja entregar à polícia o verdadeiro criminoso. Os romances de Gardner (cujos títulos sempre começam com “O Caso do...”) seguem uma fórmula precisa e obrigatória, com as variações mais inesperadas dependendo do cliente, do crime cometido e das complicações colaterais. Agora mesmo está me dando uma vontade enorme de reler “O Caso da Lata Vazia”, “... das Garras de Veludo”, “... da Morena Emprestada”, “... da Loura de Olho Roxo”, “... dos Peixinhos Dourados”, “... do Gorila Sorridente”...
Um dos aspectos mais fascinantes do crime é o fato de ele ser algo minuciosamente descrito, previsto e catalogado pela estrutura jurídica. E um tema eterno da literatura policial é um tipo especial de crime perfeito, o crime que todo mundo sabe que Fulano cometeu mas nada pode fazer, porque a lei não prevê aquele crime. Na Inglaterra, antes de 1548, um júri só considerava assassinatos que tivessem sido cometidos no condado de sua jurisdição. E houve casos de assassinos que feriam a vítima num condado e a transportavam para que morresse no condado vizinho; dessa maneira os dois elementos do assassinato (a agressão e o falecimento) ficavam dissociados e a lei “travava”.
Li uma vez no Mistério Magazine de Ellery Queen um conto (não lembro o autor, o título era algo como “Um Caso para a ONU”) em que um homem matava outro a tiros num voo EUA-Europa, e provava por a+b que não podia ser preso, porque ele era de uma nacionalidade, a vítima de outra, a companhia aérea de outra, e o crime fôra cometido sobre águas internacionais. No fim, a polícia o prendia por conspiração (ou coisa parecida), porque o planejamento do crime tinha sido feito em território norte-americano.
Surgiu agora um fato jurídico interessante nos EUA. O Parque Nacional de Yellowstone fica no Distrito de Wyoming, mas partes dele estão nos Estados vizinhos de Montana e Idaho. Se alguém cometer um crime nessa faixa, terá que ser submetido a júri popular e os jurados terão que ser convocados entre a população da região do Parque no Estado de Idaho, e essa população é zero. Um advogado esperto conseguiria anular todo o processo e libertar o criminoso. Quem chamou a atenção para isto foi Brian C. Kalt, professor de Direito em Michigan. Ele admite que seria possível, como no exemplo acima, alegar que o planejamento do crime havia sido feito noutra parte do país. (Uma discussão de todos os detalhes pode ser lida aqui: http://bit.ly/ppWJAG). Até agora, o único crime cometido dessa forma foi a morte de um alce, mas o sistema jurídico dos EUA está se mexendo antes que isto chegue aos ouvidos dos sucessores de Osama Bin Laden.