Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 16 de agosto de 2011
2636) Baseado em (16.8.2011)
Este artigo, vou logo avisando, se refere à adaptação de romances para o cinema, TV, teatro, e outras formas de encenação. A expressão “baseado em” costuma ser mal compreendida por muita gente. Ao pé da letra, o livro original seria apenas uma base, um fundamento para a criação de uma obra diferente. Na prática, porém, esta expressão, que me parece correta, acaba se confundindo com outra maneira de dizer, esta sim muito perigosa. É quando falamos: “O livro tal vai ser filmado”. Dizer isto sugere, implicitamente, que o livro vai ser filmado tal qual é, que todos os detalhes que existem no livro vão ser transpostos para o filme, tintim por tintim, e naquela mesma ordem. E não é o caso.
Dizem que no começo do século 20 os diretores distribuíam dezenas de exemplares de um romance entre os atores e os técnicos, e no primeiro dia de filmagem começavam a filmar o que acontecia no Capítulo 1. Logo logo esse sistema de trabalho mostrou que não funcionava. Uma história que se passava em diferentes cenários forçava a equipe a se deslocar todo dia de um lugar para o outro; um cenário que só aparecia no começo e no fim da história tinha que receber manutenção durante semanas ou meses. Logo as pessoas concordaram que era mais simples filmar num cenário tudo que acontecia ali, depois passar para outro, e no final recortar todas essas cenas e colocá-las na ordem certa. Isso é o beabá da produção de cinema.
Um dos raros filmes contemporâneos feito à maneira antiga foi, pelo que me contaram, Lavoura Arcaica de Luiz Fernando Carvalho, cuja equipe se enfurnou durante meses numa fazenda, todo mundo com um exemplar do livro, e todos os dias atores e técnicos liam, discutiam, ensaiavam, filmavam. Não houve roteiro; não foi necessário. E mesmo assim a interferência autoral do diretor é imensa, e não sei se se pode dizer que o filme foi “transposto” para a tela, embora o próprio escritor, Raduan Nassar, tenha elogiado o resultado final.
Bem, se o autor elogiou provavelmente é por ter a compreensão de que um filme é outra obra que se inspira na mesma idéia que o autor tinha do livro antes de começar a escrevê-lo ou durante o ato da escrita. Quando a gente se senta para escrever pode ou não ter uma idéia geral da história; mas para simplificar digamos que existe na mente do escritor uma idéia platônica, perfeita, ideal, do livro a ser escrito; e que o texto que ele publica é uma tentativa de dizer aquilo em palavras. O cineasta, ao ler o livro, julga perceber, através daquelas páginas impressas, qual era o livro platônico, o livro perfeito, que o escritor tinha em mente; e é esse livro (não o livro efetivamente escrito e publicado) que ele procura traduzir em imagens. Daí a liberdade que ele tem ao adaptar, porque não precisa se prender à letra e sim ao espírito da obra. Ele não filma o que foi escrito, filma aquilo que ele imagina que o escritor tinha em mente quando estava escrevendo.