Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 7 de julho de 2011
2602) As finanças de “Psicose” (7.7.2011)
(Robert Bloch + Alfred Hitchcock)
Psicose foi o grande sucesso comercial de Alfred Hitchcock, e é até hoje um filme que surpreende.
É comum que um filme surja de repente e redefina, quase sozinho, a fórmula de um gênero, pela quantidade de imitações que cria.
O que não é comum é que, 50 anos depois, o filme ainda continue a surpreender em alguns aspectos, porque ao ser exaustivamente copiado ele se transforma, retrospectivamente, num enorme déjà-vu. Vemos primeiro as imitações, e elas nos deixam deslumbrados; quando vemos a criação original, bocejamos de tédio.
Também é interessante rastrear a história desse sucesso financeiro. O autor do romance original é o mestre Robert Bloch, que está para a pulp fiction assim como Hitchcock está para o cinema. Bloch tem a vantagem adicional de escrever policial, suspense, ficção científica e terror (era membro do círculo de discípulos pessoais de Lovecraft).
Ele conta em suas memórias (Once Around the Bloch) que recebeu pelo romance o “impressionante adiantamento” de 750 dólares. Ao receber uma proposta de 5 mil dólares pelos direitos de filmagem ele hesitou e pediu dez. Pagaram-lhe 9 mil, e só depois de fechado o contrato foi-lhe revelado que o proponente era Hitchcock.
Bloch diz que a editora e o seu agente pegaram as respectivas percentagens, e tudo que ele ganhou com o filme foram cerca de 5 mil dólares.
Entra em cena James Cavanagh, o primeiro roteirista contratado. Depois de uma porção de divergências com Hitchcock, Cavanagh entregou um primeiro tratamento do roteiro, recebeu 7.166 dólares e foi dispensado.
Para o seu lugar foi contratado Joseph Stefano, cujo entendimento com Hitchcock foi mais rápido. Seguindo em grande parte a estrutura armada por Bloch em seu romance, Stefano foi provavelmente o autor de uma decisão crucial, a de começar o filme acompanhando a história de Janet Leigh, e só introduzir o Bates Motel (que era onde o romance começava) somente depois, durante a fuga noturna dela, após o roubo.
Stefano acabou recebendo pelo roteiro a soma de 17.500 dólares, ou seja, mais de três vezes o que foi pago a Robert Bloch.
E aí entra em cena Hitchcock, cujo talento financeiro era pau-a-pau com o talento narrativo.
Seu cachê para dirigir, nessa época (depois de filmes como Um Corpo que Cai, O Homem Que Sabia Demais, Intriga Internacional), era de 250 mil dólares por filme. Os executivos do estúdio não simpatizavam nada com esse projeto em preto-e-branco, nem botavam fé nesse roteiro sobre um serial killer que se vestia de mulher e mantinha a mãe empalhada. Queriam livrar-se dele logo. Ficaram surpreendidos quando Hitchcock abriu mão do seu salário em troca de 60% da renda líquida do filme.
Como todos tinham certeza de que iria ser um filme problemático, concordaram. Hitchcock acabou faturando, pessoalmente, mais de 15 milhões de dólares, que dariam, em valores de hoje, algo em torno de 150 milhões de dólares – para dirigir um único filme.