Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 6 de julho de 2011
2601) Eu sou Napoleão (6.7.2011)
Dias atrás vi na TV um filme interessante, A Roupa Nova do Imperador (2001) dirigido por Alan Taylor, baseado no livro de Simon Leys. O filme parte de uma idéia clássica das Teorias da Conspiração: foi mesmo Napoleão Bonaparte que morreu no exílio, em Santa Helena, ou terá sido um sósia? E se foi um sósia, o que aconteceu com o verdadeiro Imperador? Por que não reapareceu para tentar voltar ao Poder? Napoleão foi o homem mais famoso de seu tempo, e quando estava exilado houve até mesmo uma conspiração brasileira (liderada pelo General Abreu e Lima) para resgatá-lo, trazê-lo ao Brasil e torná-lo imperador de um reino independente no Nordeste, com sede em Campina Grande. (Quem me contou essa foi Paulo Santos de Oliveira, o autor de A Noiva da Revolução; estou vendendo a preço de fatura.)
No filme de Alan Taylor, uma conspiração dos bonapartistas coloca um sósia no lugar do imperador, no exílio, e o traz de volta a Paris. O combinado era que quando estivesse tudo pronto o sósia seria desmascarado e ele tomaria o poder. Tudo dá certo até o ponto em que o sósia morre acidentalmente. Napoleão, anônimo e sozinho em Paris (seu contato lá também morre de repente) anda pelas ruas sem ser reconhecido, e não consegue uma audiência com ninguém importante, ainda mais depois que os jornais publicam a notícia de sua morte. Pra complicar as coisas ele fica hospedado na casa de uma viúva bem bonitinha que vende melões e começa a sentir uns fraquejos na direção dela.
Napoleão tenta revelar sua verdadeira identidade, mas ninguém crê, a começar pela viúva. Ele acaba sendo levado a um prédio esquisito e é deixado no jardim. Começa a passear e se assusta ao ver um sujeito com olhos esbugalhados, babando, e um chapéu-de-Napoleão na cabeça. E mais adiante outro, com um chapéu igual e a mão enfiada no casaco. E logo adiante mais dois, e mais adiante ainda mais três. É um hospício, e o jardim inteiro está cheio de doidos que imaginam que são Napoleão. Ele pula o muro e some.
O filme de Alan Taylor é implausível, mas isso não é um defeito, pois se trata apenas de uma comédia romântica. Numa situação real, o verdadeiro imperador não se conformaria jamais em tornar-se um vendedor de melões por amor a uma mulher. (Embora toda mulher sonhe com isto: que um imperador, por amor a ela, concorde em vender melões. Para viver isto, ela abriria mão do império dele.) Um imperador sem império (sem estado-maior, sem generais, sem reconhecimento público) é apenas um doido a mais. Este filme nos leva a imaginar, num enredo psicologicamente e historicamente plausível, o que faria o verdadeiro Napoleão se se visse destituído de sua “napoleanidade” e reduzido a si mesmo, ao “peso seco da pessoa”, como dizia Guimarães Rosa. Recuperaria o império ou seria fuzilado na tentativa, mas duvido que se resignasse aos melões. Se bem que, com uma viuvinha daquelas, nunca se sabe.