Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 29 de maio de 2011
2569) O que é preconceito (29.5.2011)
Preconceito é uma idéia tão confortável que resistimos em nos separar dela.
De nada adiantam os argumentos mais razoáveis ou as provas contrárias mais esmagadoras. Tapamos os ouvidos, fechamos os olhos, fazemos “Dã-dã-dã-dã-dã-dã-dã... Não estou ouvindooo... Não estou ouvindoooo...”
Não somos capazes de viver sem aquela idéia, assim como uma criança não é capaz de viver sem sua chupeta, um fumante sem o seu cigarro, ou o ébrio sem a sua “garrafa tóxica de rum”, como dizia Augusto dos Anjos.
Um preconceito é um pesadelo que assaltou nossa mente de tal maneira que acabamos nos orgulhando dele. Ele faz parte de nós. Ficamos como a alma penada daquela história, vagando pelos corredores com um machado enfiado no crânio. Se alguém retirasse o machado libertaria aquela alma para sempre, e ela sabe disso, mas prefere aterrorizar os outros do que permitir que alguém toque naquele machado, que agora, confortavelmente, faz parte dela.
Essa imagem do machado enterrado no crânio me vem com frequência porque a sensação que tenho é de que os meus preconceitos (que são muitos) não foram escolhidos voluntariamente por mim, mas me foram impostos de fora para dentro ou de cima para baixo, com tal violência que não fui capaz de me defender.
Um preconceito é um implante mental. Recebemos aquilo antes de termos capacidade de entender o que significa. E o recebemos geralmente numa situação de dominação e poder que nos deixa indefesos, incapazes de reagir.
Grande parte dos nossos preconceitos nos é imposta pelos nossos pais, nossos professores, nossos amigos ou os meios de comunicação (numa idade em que acreditamos que “se está ali é porque é verdade”).
Como não entendemos que idéia terrível é aquela que nos habita, somos forçados a racionalizá-la, justificá-la. E construímos em volta dela uma camada protetora de explicações, de teorias, que nos servem de analgésicos. Quando o implante mental começa a doer muito, basta começar a pensar nas nossas racionalizações, as quais nos convencem de que estamos certos, sim, aquela coisa é terrível mas é verdade. E esse tylenolzinho filosófico nos ajuda a tocar a vida pra frente.
Para alguém nos “tirar do sério” basta questionar nossos preconceitos. Basta perguntar com o ar mais inocente do mundo: “Por que você anda com um machado enterrado no crânio?...”
Ficamos lívidos, a velha dor de cabeça retorna com força total, e começamos a espumar de raiva, com “o olho rútilo e o lábio trêmulo”, jogando em cima do ofensor todos os argumentos que nos ajudaram a justificar nossa condição.
Já os preconceituosos profissionais são mais calmos, mais ponderados, pelo simples fato de que, ao contrário de nós, fizeram daquilo sua razão de viver. Pensam naquilo 24 horas por dia. Impossibilitados de arrancar o machado, agarram-se a ele como um afogado ao salva-vidas, e conversam conosco esperando o momento propício para desferir mais um golpe.