Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 21 de abril de 2011
2536) Um vampiro, um troll e um marciano (21.4.2011)
Um vampiro, um troll e um marciano entram num bar e sentam no balcão. O vampiro pede um Bloody Mary, o troll pede cachaça com pólvora e o marciano pede um Martini. O barman serve os três e pergunta: “Vocês estão vindo de onde? De um baile de carnaval?” Um deles responde: “Não, estamos chegando da Inglaterra. Fomos participar de uma conferência acadêmica sobre horror, fantasia e ficção científica, na Universidade de Liverpool, centrado no tema Pesquisas Atuais em Ficção Especulativa’. O barman coça a cabeça, sem entender: “Sim, mas por que vocês três?” Outro deles responde: “Porque, para diluir um pouco a seriedade acadêmica do evento, a Universidade decidiu usar como título da conferência justamente a frase Um Vampiro, Um Troll e Um Marciano Entram Num Bar’. O barman dá de ombros: “Se é assim, não posso me queixar. Aqui tem entrado gente muito mais esquisita do que vocês”.
O barman sou eu, mas não estou inventando nada: vi o título dessa conferência, anunciada para junho, no boletim periódico da Science Fiction Research Association, seguido da descrição: “Uma conferência de pós-graduação com o objetivo de promover a pesquisa das literaturas especulativas incluindo, mas sem se limitar a, ficção científica, fantasia e horror. Nossa meta é destacar alguns desenvolvimentos recentes na dinâmica deste campo, proporcionando uma plataforma para a apresentação de pesquisas de pós-graduados”.
Ou seja, é uma coisa séria, por mais brincalhão que seja o título. Isto é uma tônica do mundo acadêmico que pesquisa hoje a literatura fantástica. Uma certa descontração, uma criatividade que se mantém dentro dos limites da seriedade científica mas, digamos, sem muito terno-e-gravata. Na mesma página é anunciada outra para julho, em Albuquerque (Novo México, EUA), com o título Mythcon 42 – Monstros, Maravilhas e Menestréis: a Ascensão do Moderno Medievalismo, o que já diz o bastante.
Eu diria que um ponto-de-mutação decisivo na história da FC norte-americana e européia foi o surgimento de uma geração (que é mais ou menos a da minha faixa etária) de pessoas que leram esses gêneros desde a infância e, chegando à Universidade, resolveram dedicar a eles as suas pesquisas. Eles o fazem de todas as direções possíveis. Não são apenas professores de Literatura, são professores de História, de Antropologia, de Sociologia, de Psicologia, das Ciências Exatas em geral. A literatura fantástica lhes serve de plataforma para a produção de modelos teóricos, projeção de hipóteses, etc.
É um movimento que começa a acontecer no Brasil de uns dez anos para cá. Não se passa um mês sem que chegue ao meu conhecimento mais uma tese de mestrado ou doutorado, numa universidade brasileira, sobre a ficção científica e os gêneros vizinhos. Um vampiro, um troll e um marciano entram na lanchonete da faculdade e dizem: “Queremos três canudos”. O barman: “De refrigerante?”. Eles: “Não. Três diplomas”.