Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 7 de abril de 2011
2524) A estética do Como Pude Acreditar? (7.4.2011)
Por que motivo os personagens dos folhetins e telenovelas são tão crédulos?
Uma resposta cínica nos diz que se não o fossem não haveria história a ser contada, porque histórias dessa natureza requerem que certas mentiras sejam acreditadas durante cem capítulos, para serem desmascaradas no derradeiro.
A credulidade, no entanto, nem sempre é sinônimo de ingenuidade. Nem todo personagem acredita por ser ingênuo, embora qualquer folhetim que se preze necessite de um bom contingente de pessoas ingênuas, pessoas de coração puro e mente passiva, daquelas que adoram cair numa conversa bonita.
Acontece que um vilão de folhetim não é apenas um sujeito mau e sem escrúpulos. Vilão bom é aquele em quem pressentimos uma inteligência superior. Um vilão meramente truculento e maldoso é uma peça desconfortável do enredo, é um caroço indigesto que precisa ser extirpado pelo herói.
Muitos vilões da pulp fiction são assim. Mas gostamos quando percebemos que o vilão, além de canalha e sem escrúpulos, é também inteligente, perceptivo, tem conhecimento sutil das fraquezas humanas, tem jogo de cintura, tem senso de humor. São qualidades que de certo modo temos esperança de possuir; e o vilão deixa de ser apenas um obstáculo para ser também, provocantemente, um modelo. Ao invés de incômodo, é sedutor.
Se nós, leitores, somos vulneráveis aos encantos e aos argumentos de um tal vilão, qual não será a sorte de um pobre personagem? Acreditam, sim, deixam-se embair pelo papo-de-derrubar-avião do nosso Fantomas ou Fu-Man-Chu. Às vezes esses personagens intermediários chegam de arma em punho ao reduto do Senhor do Crime, prontos a livrar a humanidade daquela presença pestilencial; mas basta que o Anjo da Treva erga a mão e peça dois minutos de atenção para que tudo esteja perdido.
O vingador acreditará nele, e isto é mais pungente ainda quando nós, leitores, percorremos aqueles parágrafos e pensamos cá conosco: “Ih, rapaz... pois não é que, de certa forma, sob um certo ponto de vista, ele tem mesmo razão?!”
Os personagens acreditam, e num piscar de olhos estão desarmados, manietados e jogados num calabouço. Ou, melhor ainda, estão livres e de volta ao mundo, só que com o ponto-de-vista reformatado. Olham o Herói com uma desconfiança sombria, porque agora estão sabendo das suas intenções turvas, dos seus propósitos inconfessáveis.
Tudo que pensavam antes foi modificado por aquela meia hora de conversa. De agora em diante, perseguirão o Herói, sabotarão suas iniciativas, trabalharão dia e noite para derrotá-lo ou pelo menos para estorvar seus passos. Cheios de intenções nobres, farão o possível para ajustar sua conduta àquelas poucas mas terríveis "verdades" que o vilão, com ar compungido e falando quase que a contragosto, lhes revelou.
Até que, no desfecho, quando o Herói derrotar o vilão e, enfim, toda a terrível verdade for mesmo revelada, exclamarão, com um sobressalto de horror: “Como pude acreditar?!”.