Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 19 de março de 2011
2508) A jogabilidade (19.3.2011)
(Shadow of the Colossus)
Certos neologismos são meio intragáveis, mas correspondem a uma noção tão nova que os perdoo. A palavra “jogabilidade”, tão associada aos videogames, surge a toda hora nas resenhas. É de certa forma o primeiro conceito importante surgido a partir dos jogos eletrônicos. Esses jogos sempre são analisados e avaliados através de conceitos herdados da literatura (personagens, enredo, suspense, diálogos, etc.) ou do cinema (textura visual, enquadramentos, movimentos de câmara, câmara subjetiva, ângulos, etc.). “Jogabilidade” não existe em nenhum dos dois, se bem que possamos (em retrospecto) enxergá-lo em embrião em outras formas de arte. Toda forma de arte é interativa, depende em certa medida da interferência ou da complementação mental do usuário. Os games se diferenciam pelo fato de fazerem disso o seu objetivo, a sua essência.
A jogabilidade de um jogo diz respeito, por exemplo, à facilidade de jogar. O jogo deve ser fácil o bastante para ser acessível, mas deve também oferecer dificuldades e desafios. Outros aspecto da jogabilidade é o que em inglês se chama “responsiveness”, e que é a rapidez e a clareza da reação do jogo às ações do jogador. O jogador precisa sentir firmeza no jogo, precisa saber o que acontecerá sempre que ele fizer tal-ou-tal coisa em tal-ou-tal circunstância. Jogabilidade também implica ritmo, andamento; há certos jogos que são de uma atividade frenética (fuzilar zumbis, p. ex.) e outros que requerem do jogador que tenha paciência, capacidade de espera ou disposição para ficar procurando algo até achar.
Jogabilidade implica também coerência. Todo jogo tem regras. Se não tem regras não é jogo, é Dadaísmo recreativo. Existem as regras que são explicadas logo no início e outras que são assimiladas ao longo da atividade. Quem joga games aprende desde cedo a, numa situação difícil (preso num quarto, p. ex.), sair tocando em cada objeto em volta e vendo como ele reage. Um deles vai se revelar útil para fugir dali. O jogo é considerado incoerente quando frustra de maneira desordenada essas expectativas do jogador.
Videogames são uma forma de arte? Provavelmente, porque nada nos obriga a considerar arte apenas o que é considerado assim há mil anos. O simples fato de ser mais uma encarnação da Arte da Narrativa (como a literatura, o teatro, o cinema, os quadrinhos) lhe dá a possibilidade de produzir obras de Arte com A maiúsculo (seja isso o que fôr). Não faz sentido dizer que um videogame nunca terá a profundidade das obras de Tolstoi ou Beethoven; é o mesmo que dizer que o que eles fizeram não tem jogabilidade. A jogabilidade existe em função da natureza do jogo. Se é um jogo de ação e aventura, deve existir em função da ação e aventura. Se é um jogo de mistério, idem. Se é um jogo de estratégia, de gerenciamento, deve ser jogável em função disso. Um jogo propõe uma experiência, e tem boa jogabilidade quando a experiência é vista pelo jogador como desafiante, prazerosa e enriquecedora.