terça-feira, 11 de janeiro de 2011

2450) Positively 4th Street (11.1.2011)



Já li algumas biografias de Bob Dylan. Quando vejo uma, em geral procuro algum episódio crucial e leio o que o cara tem a dizer. Se me agradar, compro o livro. Se for coisa de tiete, deixo pra lá. Às vezes é melhor uma biografia contra (porque são raras) do que a favor (numerosas, redundantes). Uma boa biografia-contra é Bob Dylan de Bob Spitz, em que as fases de mau-caratismo e manipulação de Dylan no auge do sucesso (1963-66) são descritas de modo arrepiante. Mais light, mas nessa mesma direção, é este livro de David Hajdu, que na verdade descreve dois casais: as duas irmãs Baez (Joan e Mimi) e as variadas técnicas que dois jovens poetas-compositores, Dylan e Richard Fariña, empregaram para namorar com as duas, casar (Richard/Mimi) e assim encurtar o caminho rumo ao estrelato.

Como se sabe, Joan Baez era a Rainha da Folk Music quando Dylan não era ninguém. Os dois se conheceram. Ela se apaixonou por ele e percorreu os EUA apresentando-o em seus shows e gravando suas canções. Quando Dylan virou roqueiro, ela, que não gostava de rock, permaneceu fiel ao seu próprio repertório de nostálgicas baladas e suaves canções de protesto. Dylan mandou-a passear e casou com Sarah Lownds, com quem teve quatro filhos.

O grande personagem deste livro é Fariña, que parece ter sido um sujeito charmoso e implacável, inescrupuloso e cheio de talento. Tinha aquela ansiedade, natural nos jovens, de fazer sucesso o mais depressa possível, até porque tinha de se comparar o tempo inteiro a Dylan, mais jovem, mais talentoso e de ascensão mais rápida. Tenho um dos dois CDs que Fariña e Mimi gravaram juntos, Reflections in a Crystal Wind. São canções melancólicas com violão e dulcimer (uma espécie de marimbau chique), não tão boas quanto as que Dylan estava compondo, mas melhores que a maioria daquela época.

Fariña morreu em 1966 num acidente de moto, no dia do lançamento de seu (ótimo) romance Been Down So Long It Looks Like Up To Me. Tinha 29 anos. Na universidade foi grande amigo de Thomas Pynchon, que anos depois lhe dedicou o clássico Gravity’s Rainbow. Acho que diz algo sobre o charme e o talento de Fariña o fato de que mesmo depois de ler o livro de Hajdu (sarcástico e implacável contra ele e Dylan) fiquei admirando-o ainda mais. Era um talento borbulhante e tinha a cara-de-pau necessária para se meter em coisas que não sabia (não era bom cantor, p. ex.) e dar um jeito de se sair bem. (Mais sobre Fariña: http://tinyurl.com/3yk8q8h).

Apenas dois meses após a morte de Fariña, Dylan teve o seu famoso acidente de moto que o tirou de campo por um ano, quando ele aproveitou para fazer uma reviravolta em sua carreira. Parou com as drogas e as turnês e dedicou-se à vida doméstica e à composição de canções country. Fala-se muito que o acidente foi forjado. Dylan, sempre alerta, deve ter pensado: “Vou fingir que tive um acidente antes que tenha um, como ocorreu com Dick Fariña”.