Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
2428) Mark Twain e a Internet (16.12.2010)
Uma diversão de quem mexe com ficção científica é tentar descobrir em textos antigos a menção a alguma coisa que não existia no tempo em que o texto foi escrito, e que pode ser interpretada como um vislumbre profético.
Não que a função da FC seja predizer o futuro, assim como a função da literatura policial não é provar que o crime não compensa. Mas um escritor inteligente e bem informado é capaz de extrapolar o desenvolvimento ou as consequências futuras de algo que já existe no seu tempo.
No saite Cracked tomei conhecimento de um conto de Mark Twain que eu tinha (em The Science Fiction of Mark Twain, Archon Books, 1984, editado por David Ketterer) mas nunca lera.
O conto é “From the London Times of 1904” e foi publicado em 1898. A história, contada sob a forma de reportagem, é vista como uma prefiguração da Internet.
Um homem, o Capitão Clayton, é acusado do assassinato de seu desafeto, o cientista Szczepanik, inventor do “telectroscópio”. Este invento, depois de demonstrado na Feira Mundial de Paris, em 1901, é conectado à rede telefônica mundial. Diz Twain:
“Este sistema aperfeiçoado de telefone sem limite de distância foi introduzido, e assim os fatos diários de todo o planeta tornaram-se visíveis a qualquer pessoa, podendo ser comentados, também, por testemunhas separadas por qualquer número de léguas”.
Condenado à morte, Clayton pede para passar seus últimos dias observando o que se passa no resto do mundo através do telectroscópio.
“A conexão foi feita com a estação telefônica internacional, e dia a dia, noite a noite, ele chamava um recanto do globo, depois outro, e observava sua vida, estudava suas estranhas paisagens, falava com seus habitantes, e percebia que graças a esse maravilhoso instrumento ele era quase tão livre quanto as aves no ar, mesmo prisioneiro por trás de cadeados e barras de ferro”.
O desfecho da história é quando o condenado reconhece, num evento que está acontecendo em Pequim (a coroação do Czar da China!), a suposta vítima, Szczepanik, que tinha fugido à fama mudando de nome e de aparência; e tudo acaba bem.
A simultaneidade do processo é destacada por Twain, após o reconhecimento:
“Um mensageiro levou a notícia a Szczepanik no pavilhão, e era possível ver a perplexidade em seu rosto enquanto escutava. Então ele veio até a outra extremidade da linha, e falou com Clayton e com o governador e os demais”.
Nada mau para quem escrevia em 1898, não é mesmo?
O telefone era uma invenção recente, mas de rápida propagação nos EUA. Em 1890 cobria toda a Nova Inglaterra; em 1893 tinha alcançado Chicago, em 1897 Minnesota, Nebraska e Texas, e em 1904 cobria todo o continente.
Twain reúne em seu conto despretensioso algumas ideias básicas, se não da Internet inteira, pelo menos do Skype: a malha telefônica, a transmissão de imagens e sons em tempo real, a possibilidade de visualização de cenas e de diálogo áudio-visual entre pontos remotos do globo.